IMAGENS E MEMÓRIAS

Galerinha, na época do meu tratamento eu tirei algumas fotos mas, como não era máquina digital, queimaram todas… então encontrei imagens de alguns locais e pessoas que fizeram parte desse capítulo em minha vida. Eis:

Essa foto foi tirada na semana da descoberta do câncer… olhos cansados e sorriso forçado… dias difíceis!

 

Dr Evyo Abreu e Lima – Meu oncologista na época

Dr Roberto Sales – Meu oncologista atual: para revisões

Unidade de quimioterapia – Hospital Santa Joana: Onde fiz as primeiras quimioterapias e as consultas com Dr Evyo

Recepção da Unidade de Quimioterapia

Multihemo: Onde fiz as ultimas quimioterapias

Liga Norte-riograndense contra o Câncer: Onde fiz a radioterpia

Sala de Radioterapia

Hospital Memorial São José: Onde fiz a tomografia com contraste… dia que passei muito mal

Processo pós-máscara para calcular area onde seria aplicada a quimioterapia

Foi tudo que consegui a priori, mas acredito ter em meus aquivos algumas poucas fotos minhas na época.

Valeu!!!

Add a comment novembro 16, 2011

RUMO AO LIVRO

Você que já vinha me acompanhando em outra página do blog, seja bem vindo! Continuaremos essa história que reserva muitas emoções e surpresas. Se você fez parte desta história, certamente estarás escrito nela, se não, faça parte agora e me ajude, com esta ferramente, a levar esperança a todos que precisam chegar à águas tranquilas no deserto do câncer.

 Antes de ser publicado, pois estamos trilhando este caminho, você poderá viver aqui fatos que mudaram a minha vida. A verdade é que não será nada fácil entrar nesse mar novamente e desenterrar este tesouro. Mas, como não vale a pena sofrer se não for para compartilhar com a finalidade de ajudar o próximo que está passando pelo mesmo deserto, eis aqui o meu livro-reportagem relatando o ano em que vivi as minhas mais fortes emoções.

Do diagnóstico a cura, das lágrimas de dor as de sorriso, das perdas e ganhos e da luta para exercitar a fé em que toda esta história me proporcionou.

Seja bem vindo e espero que você também seja curado de você mesmo!

Débora Buarque Moura

2 comentários agosto 30, 2011

A SEMANA QUE MUDOU MINHA VIDA

                Basta nascermos para passarmos por dificuldades na vida, mas o desfecho depende de como enfrentamos cada obstáculo. Jesus Cristo passou por grandes dificuldades até a morte, mas a forma como Ele as superou, faz dEle um diferencial. Sua pessoa é tão importante que o calendário universal é dividido em antes e depois dEle. Acredito que nunca chegarei a fazer diferença como Jesus fez, mas poderei atingir cada coração que passa em minha frente.

 

20 de agosto de 2002

Parecia mais um dia corriqueiro em que eu ia ao pneumologista só para mostrar à minha mãe que a tosse que eu tinha era mais uma asma passageira e, então, eu poderia fazer a grande viagem para o Intercom em Salvador.

Era um encontro nacional de comunicação que ocorreria na Bahia, mas não era só isso, era a minha despedida de solteira com a minha mãe. Sim! Eu estava nos preparativos finais para um casamento tão esperado pelas duas famílias. A primeira neta e o primeiro neto a se casar, que emoção!!! Era assim que a minha avó dizia, sem falar na correria para escolher o vestido, que deveria sair admirável.

As brincadeiras dos amigos, os ciúmes dos pais, a preocupação de alguns e a ansiedade de nós dois, sonhávamos a cada minuto com o grande dia.

Nós éramos tão ligados que fomos a esse médico juntos. A minha tosse não era assustadora, mas, mesmo assim, houve precauções. O que não esperávamos é que essa precaução salvaria a minha vida.

Dr. Renato pediu um raio-x. Bastante impressionado, ele olhou para uma mancha, até então desconhecida, e pediu para que fosse feita uma tomografia urgente. Precavido, ele preferiu dizer que aquela mancha poderia ter sido um bócio que, ao invés de descer pelo pescoço, teria entrado. Mas a tomografia daria um diagnóstico mais preciso.

Nesse instante me senti muito confusa, liguei para minha mãe e fomos fazer a tomografia, cujo resultado só seria liberado dois dias depois, mas que precisaria estar junto ao raio-x duvidoso.

Eu já havia trabalhado na área de saúde. Trabalhei em um laboratório de análises clínicas em 2001. Na mesma clínica de exames laboratoriais também eram feitos exames de raio-x e tomografia. Essa experiência foi suficiente para saber que quando um médico pede um exame para comparação é porque achou algo indeterminado, porém preocupativo. Nós ligávamos para os pacientes para trazer exames anteriores. Essa comparação era necessária para sair o laudo final do exame. Nenhum médico liberava exames que constavam dúvidas.

21 de agosto de 2002

Fiquei esperando o resultado do raio-x. Quando o recebi, entendi pouca coisa, mas uma palavra me chamou muita atenção, principalmente porque vinha precedida de uma interrogação.

TÓRAX: Mediastino alargado por prováveis linfoadenomegalias; IMPRESSÃO: Linfoadenomegalias mediastinais (linfoma?). 

Assustada, cheguei em casa e fui à internet pesquisar, fiquei mais confusa ainda. Teria que esperar o dia seguinte para ver se a tomografia seria mais explícita.

Quando se aproximava das quatro horas da tarde, minha mãe me ligou pedindo o telefone do médico. Informei. Uns dez minutos depois ela ligou para o celular do meu pai, que estava ao meu lado, e pediu para ele ir buscá-la. Eu senti que eles estavam escondendo algo de mim. Não sei explicar ao certo, mas eu sentia isso. A sensação de estarem “cochichando” ao meu redor e de tentarem descobrir junto ao médico o meu diagnóstico, sem a minha presença, era o que me deixava mais angustiada.

Minha mãe é professora da Universidade onde, na época, eu estudava, e então eu fui à faculdade mais cedo, eram umas dezoito horas. Quando cheguei à sala dela, qual não foi a minha surpresa, ela não estava. Quando perguntei para onde ela tinha ido, uma das professoras me disse que ela tinha ido para casa, pois estava com grande enxaqueca. Estudava na faculdade por quase três anos e minha mãe nunca tinha saído de lá por causa de enxaqueca ou de qualquer outra situação, seja corriqueira ou não. O máximo que ela poderia ter feito era ter tomado uns medicamentos e voltado ao trabalho. Confirmei minhas deduções: ela, realmente, tinha ido ao médico com meu pai e isso não era nada bom.

Passei a primeira aula sem conseguir me concentrar, pensando em tudo que estava acontecendo. Até tentava participar de alguns momentos da aula, para descontrair. Mas, de quase nada adiantava.

No segundo horário uma amiga minha da faculdade, Ana Paula, me viu no corredor e me abraçou dizendo que já sabia que não íamos mais viajar, àquela viagem do Intercom. Para mim, essa notícia era novidade, pois até a algumas horas, estava tudo certo. Quando ela percebeu que eu não estava sabendo de nada, tentou desconversar.

Desconfiada, falei para algumas amigas da sala sobre a minha suspeita. Apesar de elas acharem que eu estava exagerando, eu fui para casa, pois não conseguia me concentrar. Quando cheguei em casa, os meus pais me chamaram e disseram que havia estado com o médico e que eu tinha um tumor e teria que fazer uma biópsia para descobrir se era maligno ou benigno. Perdi o chão!!! Comecei a chorar e perguntar a Deus por que eu? Por que comigo? Enquanto eu e minha mãe chorávamos, o meu pai disse uma frase que ecoa até hoje em minha mente: Filha, eu preciso que você seja forte! Depois de ouvir essa frase, lembro-me de um pensamento egoísta que tive naquele momento sobre ele: você diz isso porque não é com você. Egoísta sim, pois ele era meu pai e estava sofrendo tanto quanto eu. Hoje vejo o quanto suas palavras tinham sentido e eram sábias. Deus usou meu pai para falar a mim.

Um pouco ainda desnorteada, peguei o telefone e liguei para o Gabriel* (nome fictício), na época meu noivo. Contei sobre o tumor. Do outro lado da linha um silêncio reinou por alguns segundos e com a voz um pouco diferente ele disse que iria dar tudo certo.

Não sei qual seria a reação de outra pessoa nessa hora, a minha foi de acordo com a fé que tinha e com a forma como fui orientada a deixar tudo nas mãos de Deus. Fui ao meu quarto (não sei como consegui, pois a minha mãe não me deixava só por um instante) me ajoelhei na presença de Deus e então comecei a orar. Pedia a Ele que me ajudasse, eu não conseguiria passar por isso sozinha, eu precisava da força dEle, eu precisava que Ele fosse à frente do meu problema. Qual não foi a minha surpresa, o meu quarto ficou inundado de uma presença sobrenatural, uma paz que excede todo entendimento, uma paz de que Ele estava lá, Deus estava lá e ouviu imediatamente minha oração. As lágrimas cessaram e eu saí do quarto de uma forma inexplicável. Precisava reagir diferente, precisava enfrentar com fé. Na mesma noite meus pais chamaram meus irmãos e fomos como família pedir que houvesse uma intervenção divina em meu estado.

Ainda antes de dormir, mamãe me contou sobre um sonho que ela tinha tido há três semanas e que nesse instante não saía de sua cabeça. A minha mãe tem o que chamamos de dom de sonhar, sonhos que acontecerão, sonhos reveladores. No sonho ela estava em uma sala cheia de escorpiões pretos e dois desses escorpiões entravam em sua mão causando muita dor. Então ela ouvia uma voz dizendo para ela segurar o punho com a outra mão para os escorpiões não passarem, daí ela segurava. De repente ela estava em uma sala com pessoas vestidas de roupa branca e, sem anestesia, eles tiravam o escorpião. A princípio esse sonho não mostrava nenhuma ligação com o acontecimento, mas por algum motivo ele ficava passando como um filme em sua cabeça.

22 de agosto de 2002

Dia do resultado da tomografia. Seria um dia “d”.

Pronto! O resultado chegou e mais uma vez aquela palavrinha com uma interrogação: Linfoma? Então, fomos indicados por Dr. Renato a procurar Dr. Hélio (nome fictício) para marcar a biópsia, a alternativa mais eficaz de detectar a linhagem do tumor.

No consultório, Dr. Hélio, bastante sério, olhou meus exames e pediu para me examinar. Foi quando, em um contato com a base do meu pescoço, ele detectou um nódulo do lado esquerdo, nada comum. Fez algumas perguntas sobre se eu tinha percebido, mas eu adiantara que um médico já tinha visto esse nódulo há um ano e diagnosticara como normal. Contudo, ele insistiu apalpando o local e chegou à conclusão de que a biópsia seria nele. 

Enquanto ele preparava os exames pré-operatórios, uma pergunta não saía da minha mente: Se esse nódulo era anormal, por que eu ainda estava com ele? Por que outro médico tinha dito ser um nódulo causado pela toxoplasmose e que não fazia mal algum?

Bom, a verdade descobrimos horas depois. Já fazia um certo tempo que eu estava com essa doença, mas o médico que eu tinha ido há um ano havia dito que aqueles linfonodos que estavam em meu corpo eram “normais”. Erro médico. Por um breve momento, uma série de questionamentos ficou rondando minha cabeça, mas eu queria olhar para frente e buscar soluções, pois seria mais útil ao invés de ficar questionando o passado. Até porque isso não iria me curar.

Em meio a essas conturbadas informações, estava Dr. Hélio, que, não ligando muito para o meu estado ‘espiritual’, prescrevia uma série de exames pré-operatórios para, logo que eu os tivesse em mãos, marcar a cirurgia. Ele era um médico muito competente, segundo Dr. Renato, mas ela era muito frio. Estávamos todos com o semblante caído na sala e minha mãe bem chorosa, a cada palavra dele confirmando o linfoma, minha mãe chorava mais e Dr. Hélio de uma forma meio incomum disse para ela ser forte e parar de chorar porque agora não adiantaria muito. Percebemos ali que ele não era muito amável sensível.

Ao sair da sala do médico tive belas surpresas. Muitos amigos meus e da família estavam na recepção aguardando novidades. São em momentos como esse que valorizamos a presença e o abraço de cada um. Todas as presenças foram importantes em meio a tanta ansiedade, mas uma delas foi marcante: Tio Marcelo (na verdade o chamo de tio porque me acostumei). Ele me contou que quando sua filha Moema tinha meses de idade (ela dormia no berço de seu quarto), no meio da noite, de repente, ele acordou e viu que ela estava sentada olhando para ele. O que foi uma surpresa, pois ela estava engasgada e por um segundo ele pensou: “Deus não me acordou para ver minha filha morrer”. Imediatamente ele conseguiu tirar algo da sua garganta e salvou sua vida. Diante disso, não consegui conter as lágrimas e tomei aquelas palavras para mim. Nada poderia ser ao mesmo tempo tão forte e tão desafiador. Essa frase ficou ecoando ao meu ouvido: “Deus não me acordou para me ver morrer!!!”. Esse momento marcou a minha vida, não só pela sua história que por si só já é chocante, mas especialmente pelas suas palavras e o seu olhar penetrante que me mostrava o quanto era importante a minha fé. Lembro-me de seu sorriso olhando em meus olhos e dizendo: Deus te acordou!!!

Ao chegar em casa depois de mais um dia cansativo física e emocionalmente, me deparei com Ana Paula e Tereza (as minhas grandes amigas da faculdade). As duas estavam sentadinhas no sofá olhando para mim desconfiadas sem saber o que dizer naquele momento. Mas ao me verem conversando e sorrindo otimista, elas relaxaram. Depois de eu explicar tudo o que havia sido e seria feito para elas, fui tomar um bom banho relaxante e tentar descansar para o que viria nos demais dias.

23 de agosto de 2002

Ao amanhecer, aproximadamente às 7 h, tive que me levantar para, em jejum, fazer os exames de sangue. Fora a agulha, tudo ocorria bem. Após o almoço, antes da consulta marcada com o cardiologista, eu estava na sala com Gabriel e conversávamos sobre como e onde seria a cirurgia. Foi quando minha mãe chegou em casa e nos chamou para conversar. O que nós não esperávamos é que seria algo tão forte.

Ela tinha ido à universidade pesquisar sobre o tal do ‘linfoma’. Quando ela entra em um provedor, aparece o nome ‘doenças’ e nessa página não tinha nenhuma linguagem fácil falando sobre linfoma só tinha linguagem técnica. Nessa mesma página tinha muitos acessos a sites sobre câncer, daí ela encontra um falando dos sintomas, conceito, depoimentos etc. Em meio a tantos sites um chama sua atenção, então logo ao abri-lo aparece um caranguejo (símbolo do signo câncer), depois essa figura dissolve e aparecem dois escorpiões pretos, um de cada lado, espantada ela clica em cima de um deles e aparece a seguinte frase: Escorpião: símbolo da doença do câncer. A minha mãe entrou em pranto profundo lembrando do sonho e ligou para o meu pai que disse estar aliviado porque agora já sabia o que eu tinha e então ficaria mais fácil solucionar o caso. Após falar com meu pai, ela ligou para um casal muito amigo deles, Elcy e Kátia, procurando um ombro … um consolo. Ao chegarem à sua sala eles ficaram surpresos com toda aquela história, do sonho, do site. Era tudo muito … inacreditável. O mais incrível era que o menino que estava dando seu depoimento sobre linfoma tinha sido curado de Doença de Hodgkin. Meu pai quando viu o site, disse que Deus era tão maravilhoso que já tinha mostrado até a doença que eu tinha que era a mesma do rapaz. Minha mãe ficava perguntando se era mesmo. Um misto de alívio e desespero.  

Pronto! Quando ela nos contou isso, confesso que uma lágrima desceu em meu rosto. A esperança de que seria só um tumor estava acabada, pois eu tinha certeza de que aquilo tudo não era coincidência. Gabriel achou tudo muito esquisito e não quis mais conversar sobre o assunto. Mas eu queria conversar, queria respostas, queria desabafar, chorar… queria expressar qualquer sentimento, pois tudo era novo, sombrio. Mas não foi possível, então só restava a confirmação da biópsia.

Já eram duas horas da tarde e eu fui ao cardiologista fazer um pré-operatório. Correu tudo bem. Porém, quando pegamos os exames de sangue, tivemos surpresas com um exame chamado Desidrogenase láctica (LDH) que deu muito alterado. Enquanto o normal era até 200 o meu estava acusando 476. Dr. Hélio tinha dito que queria ver os exames assim que estivessem prontos, então, como era sexta-feira ele marcou para a segunda-feira pela manhã.

À noite, na universidade, chamei Tereza e contei o sonho a ela no corredor. Os meus olhos foram enchendo de lágrimas e ela, então, pegou meus cadernos e me levou para casa. Ela viu que eu não estava em condições nenhuma de ficar ali. Ao chegarmos em casa não havia ninguém. Então ela ficou comigo até que os meus pais chegassem. Enquanto estávamos na cozinha fazendo algo para comer eu caí num pranto profundo. Acho que foi uma espécie de desabafo, afinal eu estava sempre tão ‘preparada’. Tereza não sabia o que fazer. Ela me abraçou e disse que tudo ficaria bem. Naquele mesmo momento, meus pais chegaram e eu fiz de tudo para que eles não me vissem chorando. Assim fiz.

26 de agosto de 2002

Fomos ao consultório mostrar os exames que antecediam à biópsia. Ao vê-los, nos chamou a atenção aquele exame alterado (LHD). Não que um exame não possa estar alterado, mas esse estava bastante alterado. Quando Dr. Hélio viu o exame confirmou, mais uma vez, a sua suspeita do Linfoma de Hodgkin. A minha mãe começou a chorar e fazer muitas perguntas. Dr. Hélio, por sua vez, não era um médico de muitas palavras, ele era objetivo, curto e rude em tudo o que dizia. Outra coisa que me chamou atenção nele é que ele só se remetia a mim e não tinha muita paciência com os questionamentos da minha mãe. Dava a sensação de ser um médico que não queria muita aproximação afetiva com o meu caso. Ele queria resolver o problema e bastava. Dr. Renato, o pneumologista, já era bem diferente, ele se envolveu mesmo. Não quero julgar Dr. Hélio, pois foi ele quem descobriu e acertou em todas as questões, mas acredito que por eu e minha família estarmos fragilizados, Dr. Renato teve procedimentos mais humanos. Ele era médico, mas ao mesmo tempo estava sendo pai e amigo. Daí um primeiro questionamento acerca da atenção daquele outro médico em minha vida: Até onde vai a atenção médica? Até onde está a ligação paciente e médico?

A minha cirurgia estava marcada para as 14 horas do dia seguinte, mas eu me internaria às 9 horas. A pedido da minha mãe, já estavam a caminho de Natal a minha tia Otamira (Nirinha para os íntimos), meu tio Jessé e tia Margarida. Tia Nirinha é médica e estava aqui não só como família, mas como profissional. Ela estava bastante indignada com os procedimentos do médico anterior que não havia descoberto nada, e decidiu acompanhar tudo de perto. Nada passava despercebido aos seus olhos. Ela estava atenta a todos os detalhes.

A noite foi longa, pois a minha família queria todos os detalhes. A minha mãe se encarregou de contar tudo, inclusive sobre o sonho e o site. Eu não fiquei presente para escutar toda a conversa, pois queria descansar, mas a parte do sonho eu fiquei porque queria ver a reação deles. Qual não foi minha surpresa! Eles não quiseram acreditar em tudo o que estavam ouvindo e preferiram não precipitar as coisas. Para eles era melhor esperar um resultado mais concreto.

27 de agosto de 2002

Um dia diferente!  

Fui internada às 9h30 da manhã e fiquei em um quarto duplo. Tive a oportunidade de conhecer Ieda. Ela estava internada para uma cirurgia que iria retirar a tireóide por causa do câncer. Ieda era jovem, casada e tinha duas filhas. Seu semblante me chamou atenção porque ela não conseguia disfarçar a ansiedade e a tristeza. Logo quando entrei no quarto dei um sorriso para ela e começamos a conversar. A sua cirurgia estava marcada para uma hora antes da minha.

O quarto do hospital ficou pequeno para tantas visitas. Amigos, família, conhecidos e até desconhecidos foram me dar palavras de força. Tive também a bela surpresa de receber muitas colegas da faculdade. Soube que Ana Paula e Tereza avisaram em sala de aula sobre o meu estado. Todos ficaram chocados! Mas elas fizeram questão de falar que eu, apesar dos pesares, estava reagindo bem.

Eram tantas visitas que ficaram proibidas mais entradas pelo fato de o quarto ser duplo. Eu e Ieda precisávamos descansar. A verdade é que eu achava tudo uma grande besteira, eu queria mesmo era receber todos, falar com todos, ver todos, receber palavras amigas de todos. Mas não era possível tudo isso, então foram selecionadas pela minha família algumas visitas.

O médico mandou chamar Ieda e o nosso coração começou a disparar. Enquanto seu marido a ajudava a se vestir com aqueles vestidinhos horrorosos de cirurgia – acho que vou propor mudanças no modelinho e na cor – eu resolvi ler um salmo bíblico para ela. Esse salmo estava falando muito ao meu coração em todos esses momentos. Com isso, ela finalmente deu um sorriso e agradeceu pela palavra. Foi só o tempinho de ela sair que o meu quarto encheu de gente novamente. Eu estava me sentindo muito amada. Certa vez escutei que o verdadeiro amor é aquele que é demonstrado. Eu não podia me queixar, estava sentindo muito amor por parte de todos.

A minha cirurgia iria atrasar umas três horas. Duas horas depois, Ieda entrou no quarto e estava muito debilitada. Ela vomitava e chorava muito. Eu lembro que minha tia fechou a cortina que ficava ao lado da minha cama para que eu não visse nada e nem me impressionasse com isso. Mas eu escutava tudo. Não tinha como não escutar seu choro nem seus vômitos. Nessa hora, confesso que bateu um medo se seria assim comigo também.

Antes de o médico mandar me chamar para a sala de cirurgia, a anestesista foi ao meu quarto para saber até que ponto eu era alérgica. A minha fama de ‘muito alérgica’ já estava rondando o hospital. Essa fama deu-se pelo fato de que, em exames anteriores, foi descoberto que eu possuía inúmeras alergias, dentre as quais há muitos medicamentos e crustáceos. Até medicamentos que sempre tive o hábito de tomar. Então, Dr. Hélio achou necessário tomar precauções quanto à anestesia, pois, diante do meu quadro, era necessário ficar alerta.

A médica que iria aplicar a anestesia foi logo avisada sobre minha possível sensibilidade ao anestésico. Então, como uma boa profissional e muito cuidadosa, ela foi investigar. Não lembro seu nome, mas me recordo bem de sua fisionomia. Finalmente deu 5 horas da tarde e o enfermeiro foi com uma maca me buscar para a cirurgia. Coloquei a roupa, me deitei na maca e… vamos lá. Na porta da sala estavam minhas colegas da faculdade, meu pai, Gabriel, seu pai e outros. Enquanto elas batiam palma e vibravam com a minha entrada, Gabriel chorava no ombro de seu pai. Com essa cena eu pedi para entrar logo, pois já estava querendo começar a chorar também.

A sala de cirurgia é bastante clara, mas era bem diferente do que eu imaginava. Tem até música ambiente, muitas máquinas encostadas na parede. Eu pensei que fosse um ambiente mais tenebroso. Que nada!

Comecei a olhar para os lados procurando tia Nirinha para que ela pegasse a minha mão. Antes de ela chegar, o médico foi entrando na sala e colocando as luvas. Assim que eu o vi o meu coração disparou e resolvi chamá-lo para perguntar duas coisas que para mim eram de extrema importância naquele momento:

¾ Dr. Hélio, vai demorar muito tempo a cirurgia?

¾ Não sei. Pode demorar 40 minutos ou até duas horas, não sei, respondeu ele objetivamente.

¾ E tem algum perigo? Eu queria uma palavra de força de alguém que vivencia isso quase que diariamente, mas não tive sucesso.

¾ Isso é igual a avião, pode cair e pode não cair, afirmou ele. Confesso que queria ouvir algo mais esperançoso e mais carinhoso. Mas não podia esperar isso dele. Era muito frio e objetivo.

Logo depois, minha tia foi entrando e pegando a minha mão. Quando a anestesista entrou, foi logo aplicando a anestesia e eu fui ficando muito enjoada. A minha tia pegou bem forte a minha mão e disse que era normal. Pronto, foi assim que eu entrei em alfa. É estranho porque a gente só sabe quando acorda. Para eles demorou uma hora e meia, para mim um abrir e fechar de olhos.

Ao ‘acordar da cirurgia’ a minha mente foi processando exatamente onde eu estava. Tive a mesma reação que Roberto Nelson (2003), ao acordar de uma cirurgia de ponte safena, teve: “minha primeira reação foi de alívio, eu estava no mundo dos vivos, agora tinha de decidir se eu olhava ou não para o meu corpo”. Ao ler esse trecho de sua autobiografia fiquei perplexa. Como ele pôde expressar exatamente o que eu senti de forma tão verdadeira, sem que nem nos conhecêssemos. Percebi, então, que o contato com o medo e o desconhecido nos faz ser unânimes na mesma reação. 

     Mas voltando a minha ‘volta à vida’, depois de processar melhor o meu estado, lembro que minha vista estava muito embaçada e o corpo tremendo, então chamei o enfermeiro e perguntei em quantos lugares eu havia sido cirurgiada. Fiz essa pergunta porque, foi decidido nas consultas pré-operatórias, que os médicos iriam fazer um corte no pescoço para verificar se o tumor acusava, de imediato, ser maligno. Se ele desse negativo, então eles abririam o mediastino para verificar o segundo tumor. O enfermeiro disse que havia sido feito apenas um corte. Nessa hora, consegui concatenar as idéias e fiz o meu diagnóstico final: estou com câncer. Apesar de saber dessa forma, eu não fiquei preocupada. Eu já sentia que iria dar esse resultado. Na verdade, estava mais preocupada com a minha fome. Já fazia quase doze horas de jejum. Olhei para o enfermeiro e disse que queria comer uma lasanha. Ele sorriu e disse que se eu achasse uma lasanha ali naquele hospital, que eu o chamasse para comer também. Depois que o enfermeiro viu a minha euforia em comer e falar, ele pegou a maca e me levou para o apartamento, afinal eu já estava bem demais, disse ele.

Quando eu cheguei no quarto não tinha ninguém da minha família, só Ieda e sua irmã. Daí o enfermeiro foi chamá-los lá embaixo e eles vieram rapidamente. Depois eu soube que eles estavam todos chorando por causa do resultado da biópsia, que havia detectado um linfoma. Mas eles se recompuseram e foram me ver. Eu estava eufórica. Foi uma reação que deixou todos surpresos porque, diferente de Ieda, eu não estava nem um pouco enjoada, pelo contrário, estava com muita fome e louca para contar tudo que aconteceu na sala. Eu só queria falar e ver todo mundo. Quando a minha mãe chegou pediu para que todos saíssem do quarto para poder conversar comigo. Ela disse que o resultado já tinha saído e tinha dado positivo. Apesar de ter processado em minha mente, logo após acordar da cirurgia, eu precisava ouvir essa confirmação. Continuei calma. Não sei como, só sei que estava muito segura. A minha fé ao meu Deus era o que bastava!!!

2 comentários agosto 29, 2011

A PRIMEIRA QUIMIOTERAPIA

Passei a noite no hospital e só fui liberada no outro dia à tarde. Estava louca para tomar um banho quente.

Enquanto eu estava esperando o médico para receber a alta, a minha mãe,  a mãe de Gabriel e Teresa foram na frente e fizeram uma grande faxina no meu quarto. Na verdade, me mudaram para o quarto dos meus pais, pois era uma suíte e tinha ar-condicionado. Tiraram tapetes, mudaram os lençóis, tiraram tudo o que acumulava poeira. Como eu tinha que repousar bastante elas deixaram tv, som, filmes e alguns livros. Pronto! O quarto seria o meu mundo.

Ao chegar em casa, fui direto ao banheiro tomar banho quente. Só estava com medo de quando a água bater no curativo arder. Não deixava minha mãe passar a ducha no curativo. Fiquei tirando o braço dela e pedindo que ela não molhasse, por que assim a água iria entrar e, conseqüentemente, arder. Depois de muito tempo tentando me convencer de que não iria acontecer nada disso, eu acabei cedendo e, para minha surpresa, não ardeu nada. A situação foi patética. Minha mãe ria sem parar, dizendo que eu havia enfrentado em leão (ao enfrentar o diagnóstico do câncer) e estava com medo de uma formiga. Foi hilário!

Depois que havia tomado banho meu pai trouxe àquela lasanha tão desejada por mim há horas. Com muita mordomia, fui recebendo visita até meia-noite, mais ou menos. Todas elas eram importantes para mim. Então, fazia questão de falar com todas. 

Enquanto não saía o resultado oficial da biópsia, passei uma semana em casa me recuperando e me preparando para o que iria vir. Esse período foi muito válido para mim. Eu pesquisei bastante sobre o meu tratamento para que nada me pegasse despreparada. É comum sentir alguns desânimos quando se procura saber o que vai acontecer, mas eu preferia estar bem informada, afinal de contas era eu que iria passar por tudo.

Essa semana, além de me preparar para a doença, também tive que me recuperar totalmente da cirurgia. O local ainda estava muito inchado. A sensação de dormência era horrível! Eu não conseguia levantar totalmente a minha cabeça porque achava que os pontos arrebentariam. Meu pai dizia o tempo todo para eu forçar uma movimentação maior, porque senão ficaria naquela posição para sempre. Era uma espécie de fisioterapia. Eu ficava chateada com painho por ele estar me ‘obrigando’ a exercitar o pescoço. Porque eu estava com medo! Mas sem eu senti, fui voltando a posição normal.

Nesta semana de longa espera Deus me surpreendeu mais uma vez usando uma pessoa que, antes, nem conhecera profundamente. Ela só esteve uma vez em nossa casa e apenas nos cumprimentamos. O nome dela era Tatiane e ela me conhecia através de Léo, um amigo de nossa família que, nessa época, até morava conosco. Ela me ligou dizendo que Deus mandou ela me dizer um versículo que se encontra em Sofonias 3:17: “O Senhor teu Deus está no meio de ti, poderoso para te salvar; ele se deleitará em ti com alegria; renovar-te-á no seu amor, regozijar-se-á em ti com júbilo.” Quando ela leu este versículo eu perguntei se ela estava sabendo o que estava acontecendo comigo e ela disse que não, apenas ouvia Deus dizer no ouvido dela que era pra ela me ligar e dizer isto. Contei a ela, então, que naquela semana eu estava aguardando o resultado da Biópsia e ela foi até minha casa orar por mim. Quando desliguei o telefone fiquei como quem sonha, procurando entender o amor enorme de Deus que quer se fazer presente em todo momento.

O resultado da biópsia chegou e então fomos a Recife no dia 04 de setembro para a minha primeira consulta. O hospital que eu fiquei tem uma ótima estrutura, tanto fisicamente como de atendimento. Assim que cheguei, a psicóloga foi ao meu encontro e me mostrou os apartamentos onde são feitas as sessões de quimioterapia, me apresentou as enfermeiras, o local onde são misturados os medicamentos e outros setores. Depois de eu ter conhecido todos os cômodos, ela sentou comigo e começou a me fazer muitas perguntas. Falamos sobre minha alimentação, meu estilo de vida, minha família, como eu estava reagindo a tudo aquilo. Essa parte me pegou meio que de surpresa e para que as lágrimas descessem de vez só foi preciso ela falar que o meu cabelo iria cair e como eu estava me sentindo com relação a esta mudança no meu visual.

Enquanto ainda estávamos conversando, Dr. Evyo, o oncologista, pediu para que eu, minha mãe e minha tia Nirinha (amiga do Dr. Evyo) entrássemos na sala. Assim que o vi, gostei dele. Seu olhar foi muito forte para mim. Eu lembro que ele virou a cadeira para a minha direção e só se referia a mim. Tudo que minha mãe, minha tia ou eu perguntávamos ele respondia, olhando sempre para mim. Era a forma de ele dar importância aos meus sentimentos, pois tudo o que se tratava de direcionamento do tratamento da doença ele perguntava se eu preferia dessa ou daquela forma. Claro que as coisas relativas, porque as absolutas eram dadas por ele como ponto final.

Enquanto ele explicava a doença e como seria o tratamento, recebi uma espécie de manual de quimioterapia. Ele continha a maioria das informações sobre quimioterapia e as suas conseqüências. Enquanto eu lia o manual, ele foi explicando todos os exames que antecederiam a quimioterapia, a tomografia com contraste, etc. Quando ele passou por esse exame eu fiquei com muito medo, pois minha mãe quase morreu por causa de iodo, e eu sabia que também era alérgica. Mas esse era um exame que não poderia ser ignorado, pois ele detalharia o estadiamento[1] da doença.

Toda a consulta foi um pouco tensa para mim, porque havia muitas informações densas. Mas o que realmente iria mexer comigo estava por vir. No final da consulta, quando tudo parecia que tinha acabado, a minha tia pediu que Dr. Evyo conversasse comigo sobre a possibilidade de eu ficar estéril. Essa notícia caiu como uma bomba!!! Por um momento parecia que eu não estava ali, que eu já não escutava o que o médico estava dizendo. Para falar a verdade, até hoje eu não sei o que ele disse na íntegra, só sei que eu preferia não escutar. Na mesma hora em que as lágrimas queriam começar a aparecer, a paz invadiu minha alma. Deus começou a falar no meu ouvido e disse:

__ Filha, quem decide isso sou eu! Não temas!!! Eu sou o Deus de Rebeca, de Sara e de Martinha.

As duas primeiras mulheres citadas por Deus são bíblicas que eram estéreis, mas o Senhor abriu sua madre e a fez mãe de filhos. A última também era estéril, mas esta era muito próxima a mim. Era esposa de um dos pastores de nossa congregação. E sabe? Deus falou comigo e isso invadiu minha alma. Isso que me acalmou. A segurança de que aquilo não iria acontecer foi tamanha. Tanto que eles já estavam levantando a possibilidade de fazer um congelamento nos meus óvulos, mas assim que eu soube não permiti:

¾ Mãe, aqui ninguém mexe! Tenho certeza de que se eu ficar estéril ou não, Deus está no controle.

¾ Tá certo querida! Mas você precisa avisar isso ao seu noivo. Era como se ela não quisesse que eu tomasse essa decisão sozinha e depois tivesse que arcar com as conseqüências sozinha.

Depois de uma enxurrada de informações bombásticas, o que eu queria mesmo era espairecer. Lá na recepção eu sentei junto de todos os que estavam presentes, havia até amigos que vieram de Natal só para acompanhar a primeira consulta e dar força, e contei todas as notícias. Relatei o que o médico disse, mas também falei da esperança em meu coração. O meu tio Jessé, que comemora tudo com comida, resolveu nos levar para a churrascaria Spettus que tinha um rodízio maravilhoso de carne. A felicidade dele era tão grande por me ver esperançosa que ele queria comemorar o início de uma longa vida.

Vale contextualizar e salientar um pouco sobre a minha alimentação. O meu hábito alimentar era considerado ruim, pois não entrava em meus pratos a salada, o feijão, e eu trocava qualquer suco por um bom refrigerante gelado. Também sempre gostei de carnes malpassadas e uma boa gordura, sem falar nas comidas mais práticas, as conhecidas como conservadas. Nenhum lugar melhor, então, para comemorar do que uma boa churrascaria. Até porque não havia nenhuma recomendação médica para uma radical mudança na alimentação. Hoje também não há nenhuma recomendação rígida, mas a minha consciência e experiência mudaram o meu hábito e atitudes alimentar. Não deixei de comer nada, mas acrescentei o que é necessário e amenizei o que, realmente, não faz bem a ninguém. 

Dois dias depois eu estava na clínica para fazer a tomografia computadorizada com contraste. Por causa do histórico da minha mãe eu já estava tensa e ainda tive que tomar a medicação em jejum, mas, por precaução, antes de tomar o contraste a anestesista aplicou alguns antialérgicos. Essas medicações foram aplicadas via oral e injetável. Quando eu estava deitada na cama da sala, ao tomar uma injeção de Polaramine, tive uma reação inesperada: taquicardia e uma pressão muito grande subindo para a cabeça e causando uma dor intensa. Nessa hora eu lembro que uma lágrima desceu de tanta dor, então eu peguei a mão da médica e disse que chamasse minha mãe porque eu iria morrer naquele momento. Ela, aparentando que estava tudo sob controle, pôs a mão sobre minha cabeça e, alisando meus cabelos, começou a falar perto do meu ouvido: “Débora, você Ainda vai viver muito pra contar tua história.Vou lhe contar uma história de um menino que teve a mesma doença que você e que ficou bom porque confiou. Você precisa ser forte ou então você não vai ficar boa”.

Aquelas palavras foram acalmando meu coração e os meus batimentos foram melhorando até que não senti mais nada durante o exame. A sensação é que Deus usara aquela jovem médica para me trazer a memória o que traz esperança e, por um instante de dor, eu havia esquecido. Ao sair da sala eu estava completamente dopada por causa de tanta medicação. Eu só queria me deitar, pois estava muito enjoada. Na clínica tinha umas camas para o paciente descansar, daí eles me levaram para que eu pudesse me deitar. Comecei a tremer e vomitar, segundo o médico eu estava tendo um início de crise alérgica e minha mãe começou a pedir a Deus e impor suas mãos sobre meu corpo para que eu vomitasse e colocasse tudo aquilo que estava me fazendo mal para fora, mas o médico insistia que não era bom que eu vomitasse daí eles aplicaram outra medicação na minha veia e eu comecei a vomitar e colocar tudo para fora, igualzinho minha mãe havia pedido.  Então foi só eu vomitar que melhorei. Eu lembro que fiquei tão mal que só queria ir embora, não queria nem comer. Assim que consegui me levantar, fui para a casa da minha tia, onde eu estava hospedada, almocei e dormi a tarde inteira. A minha tia, que é obstetra, disse para minha mãe que eu realmente tinha sofrido muito porque eu estava dormindo toda encolhida, em posição de feto quando se sente ameaçado.

No dia 9 de setembro, ainda pela manhã, tivemos mais uma consulta com Dr. Evyo para que ele informasse qual o estágio da doença, até onde ela estava localizada e uma avaliação dos exames sanguíneos. Tudo favorecia para que o tratamento ocorresse no controle previsto pelos médicos. O médico falou que o estágio desse linfoma de Hodgkin ainda estava bom para ser tratado, pois as chances de cura eram de até 80%. Nesse mesmo dia, é aniversário de casamento dos meus pais e antecedia a minha primeira aplicação de quimioterapia, teve um culto de ação de graças na casa dos meus avós para comemorar a relação dos meus pais e para pedir a Deus que nos capacitasse com muita força para o que iria vir.

Dr. Evyo alertou que a princípio seriam feitas duas sessões de quimioterapia ABVD (adriamicina, blenoxane, vimblastina, dacarbazina), dividida em quatro aplicações, seriam feitas no hospital Santa Joana, de 15 em 15 dias. Mas vale salientar que esses dias poderiam ser adiados, dependendo das taxas do hemograma e plaquetas.

Assim que meu pai foi marcar a primeira quimioterapia, tivemos problemas com a autorização. O meu plano de saúde era da Unimed de Natal, e era para enfermaria. O hospital Santa Joana só aceitava internação do plano diamante. Porém, foi autorizado fazer as duas primeiras aplicações no Santa Joana, mas depois seriam transferidas para a Multihemo – clínica de médicos orientados pelo Dr. Evyo conveniada com meu plano. Essa mudança foi necessária porque apesar da minha mãe ter mudado o meu plano para o diamante, eu ainda precisaria esperar uns seis meses para usufruir tudo o que ele dava direito.

Esse fato leva-nos a analisar um pouco sobre o mercado da saúde no Brasil que difere da maior parte dos países em desenvolvimento. É fato que há uma crise da saúde pública e privada brasileira.

A saúde pública entra em colapso por falta de verbas. Conforme dispõe o art.196 da Constituição Federal, se o Estado não pode prestar atendimento universal, no cumprimento de seu dever aí enunciado, impõe-se-lhe garantir o “acesso universal e igualitário aos serviços”, tanto no que respeita às pessoas beneficiadas, como no que se refere às moléstias cobertas, criando normas que obriguem a iniciativa privada a fazê-lo.

A medicina privada, no entanto, vai ocupando o lugar que deveria caber ao Estado, mas não exerce suas atividades em prol dos objetivos públicos. Visando somente o lucro, essas instituições cobram altas mensalidades e afunilam, cada vez mais, os locais e médicos a disponíveis.

A verdade é que, embora os planos de saúde privados no Brasil sejam flexíveis e criativos, há ainda práticas ilegais e inescrupulosas, que não correspondem à necessidade de assistência médica adequada nem respeitam os direitos do consumidor. Isso só acontece por falta de uma supervisão apropriada por parte do governo.

E é esse ciclo entre o governo e instituições de saúde privadas que acaba constituindo um caos para o cidadão, o qual possui todo o direito de ser assistenciado em sua saúde.  

Isso não foi muito diferente comigo. Por causa da demora na autorização, a minha quimioterapia demorou mais de três horas para começar. Então fiquei compartilhando dos meus sentimentos com minhas tias por parte de pai (Rose, Valéria e Claudia). Era engraçado, pois tudo era suposição. Então, ficávamos fazendo planos para que se o meu cabelo caísse… Se a minha boca enchesse de aftas… Se eu vomitasse muito… e outras preocupações mais. Quando ainda estávamos tentando amenizar a dor que estávamos todos sentindo, Érica (psicóloga) me chamou para começar a aplicação. Ao entrar na recepção onde estavam muitos pacientes, todos eles olharam para nós com o olhar de dúvida sobre quem seria a paciente, porque nenhuma de nós tinha aparência de doente e ainda estávamos rindo. Uma senhora que estava ao lado de Érica perguntou quem era a paciente, daí ela apontou para mim e disse que eu era sempre assim sorridente, mesmo em meio a tanta dor. A paciente ficou olhando para mim como se não acreditasse que eu estava com câncer e que, mesmo assim, ainda pudesse achar graça das coisas. Assim que eu presenciei aquela situação, vi o quão importante era que eu reagisse dessa forma. Tanto seria melhor para a minha recuperação como ajudaria a outros indiretamente. Aqui entra uma análise do “outro” esperado. 

A primeira aplicação de quimioterapia a gente nunca esquece. Tenho pavor de agulha. Para mim, era a pior parte. Ao vê-las, as minhas mãos começam a suar, eu começo a tremer e tenho a sensação de que vou desmaiar a qualquer momento. Érica, ao ver meu desespero, pediu que todos saíssem da sala e só ficasse o meu pai. Ela pegou a minha mão e falou para eu me acalmar que tudo seria resumido em uma só picada. Então, não era motivo para eu ter medo. Eu fui me acalmando até que a enfermeira conseguiu pegar a veia bem rapidinho e, confesso, que quase não senti nem a furadinha.

            Quimioterapia é uma combinação de medicamentos e depende de cada caso, no meu caso era ABVD. Toda a aplicação é feita juntamente com o soro. Antes de começar a aplicação da adriamicina (medicação de cor avermelhada) eles limpam a veia com soro porque essa medicação é muito pesada e destrói a veia. Antes de cada aplicação, foi ministrado soro como forma de deixar a veia limpa para evitar desgastá-la ao máximo. A primeira aplicação durou três horas e ocorreu de acordo com o que me foi dito antes pela psicóloga: eu não sentiria nada durante as aplicações, pois o enjôo e o sono só viriam mais tarde. Mesmo assim o clima é um pouco tenso, talvez porque é tudo novo. A sala ficou cheia de parentes: tios, primos, pai, mãe etc. Eles tentavam amenizar o clima de todas as formas, uns oravam, outros liam um livro para mim, outros contavam piadas, alguns ficavam apenas olhando, mas teve quem não conseguisse nem ficar dentro da sala, pois se emocionava. Apesar de tudo, não se trata de algo insuportável, tudo depende da forma como encaramos a situação. Ocorreu até um episódio engraçado: a porta do quarto estava com defeito, daí a enfermeira entrou para me servir o almoço e, sem querer, minha tia trancou a porta, e a enfermeira ficou sem poder sair. Ela teve que ligar para o marceneiro para que fosse aberta a porta, pois nem sairia ela, nem eu, nem ninguém. Eu fiquei o tempo todo pedindo desculpas pelo incidente, mas no final todos rimos muito. Se não fosse isso, eu não teria nada para rir nesse dia.

            O meu pai precisou voltar para Natal nesse mesmo dia, e eu tive que ficar por lá porque Dr. Evyo ficou preocupado com as intercorrências até a próxima aplicação. As intercorrências são possíveis efeitos colaterais, uns mais controláveis, outros mais preocupantes. Os mais controláveis são: náuseas, vômitos, aftas, feridas na boca, diarréia, prisão de ventre, queda de cabelo etc. Já a febre maior que 38ºC, falta de ar ou dificuldade de respiração, dificuldade de controlar a urina, visão dupla ou borrada, dor de localização ou intensidade anormal, sangramento persistente em qualquer região são mais preocupantes e precisariam da presença do médico para acompanhar melhor tais conseqüências. Por todos esses motivos, foi resolvido que eu ficaria por lá até segunda ordem, inclusive ficaria na casa da minha tia que é médica. 

            Ao chegar em casa, por volta das 15 h, eu só queria dormir. A minha família queria ficar pertinho de mim o tempo todo, mas eles respeitaram a minha vontade de descansar e ficar um pouquinho só. Esse tempo era imprescindível, porque me fazia refletir sobre tudo o que estava acontecendo em minha vida. Costumo dizer que foram os momentos em que mais cresci como ser humano. Alguns desses momentos estão sendo rememorados e analisados mais à frente, quando reflito sobre os “momentos-charneira” em minha vida.

À noite eu comecei a sentir um gosto metálico na boca e bastante enjôo. Sabia que iria vomitar a qualquer momento. A minha mãe, que diante de tudo corre para um remédio, ligou para o médico para saber qual a medicação que poderia me dar, e ele aconselhou para que eu tomasse Plasil e exagerasse nos líquidos. Eu não gostei nada da idéia porque o que eu queria mesmo era vomitar, eu sabia que o vômito iria me aliviar. A minha mãe começou a pedir a Deus que eu não vomitasse, mas quando ela saiu do quarto eu pedi a Deus o contrário. Assim que ela saiu do quarto eu vomitei. Foi um alívio! Só após isso eu consegui dormir.

Nessa mesma noite minha mãe soube que teria que voltar para trabalhar no outro dia e, então, eu pedi para ir também. Eu não queria ficar lá sem ela. Eu corria o risco de ter uma intercorrência e estar em Natal, mas eu queria ficar perto dos meus pais, irmãos e amigos. O meu médico e a minha tia resolveram acatar a decisão e deixar eu ir, mas se acontecesse alguma coisa, eu teria que voltar. Então o meu tio Fernando, irmão de meu pai, iria nos pegar às 5 horas da manhã e nos levar até em casa, e assim foi feito.

Como era diferente chegar em casa! Olhar para o meu quarto de forma diferente, tudo parecia novo e melhor. Senti uma alegria enorme tomando conta de mim que, acredito, poderia ser visto em meus olhos. Sempre gostei de estar em casa, mas dessa vez tinha um gostinho a mais que, mesmo que eu colocasse todo o meu vocabulário em questão, não conseguiria traduzir tamanha sensação. 


[1] Esta palavra não se encontra em dicionário, mas é um termo técnico usado entre os médicos para identificar até onde o corpo possui células malignas, através de exames. Ela pode ser visualizada em uma receita médica em anexo.

1 comentário agosto 28, 2011

A CURA MILAGROSA

O enjôo já havia passado, eu só tinha vomitado uma vez, mas mesmo assim não conseguia comer bem porque além do gosto metálico muito forte na boca sentia uma sensação de pinicadas na boca. Ela estava toda ardida e esbranquiçada. Quando tia Vânia, que era dentista, viu, afirmou que iria estourar de aftas.

Recomeçaram as visitas, dessa vez foi Elma, uma assistente social da faculdade onde eu estudava que, além de tentar me ajudar psicologicamente, iria me acrescentar com sua história de vida. Ela havia tido leucemia e havia sido curada. Com certeza me incentivou muito a perseverar. A professora Elma chegou em ótima hora e me fez ver que ela já havia passado por tudo aquilo, que era passageiro. Conversamos quase duas horas sobre as nossas experiências. A alegria refletida em sua face e as marcas de suas experiências ficaram registradas em minha mente.

Em momentos como esse, há pessoas que nos falam de várias maneiras. Há as pessimistas que acham que tudo vai dar errado e as otimistas que não olham para as circunstâncias elas apenas acreditam que tudo vai dar certo.

Não considero que fui uma paciente otimista e sim esperançosa. Descobri, nessa caminhada, que há uma pequena diferença entre esses dois termos tão confundidos, em sua maioria. Os otimistas acham que, no final, tudo vai dar certo. Já os esperançosos acreditam, junto às realidades dos fatos, que, apesar de todas as dificuldades, é possível encontrar uma solução. Quem nutre esperança consegue sorrir mesmo quando o mundo lhe diz não.

À noite, quando meu pai chegou, a minha mãe disse que eu não tinha conseguido jantar porque a minha boca não permitia. Eu já estava dormindo, mas ele foi até onde eu estava, me abraçou e começou a orar pedindo a Deus que aliviasse aquela dor, porque aquela parte só Ele poderia fazer. Quando amanheceu, eu corri para o espelho para ver a minha boca, mas já não havia mais nada. Quando eu comentei com mamãe, ela ficou sem acreditar, até porque eu não sabia que o meu pai tinha feito aquele pedido, eu não lembrava de nada que havia acontecido após eu ter ido dormir. Mas era verdade! Eu já não estava com mais nada, daí aproveitei para comer porque estava com muita fome.

Milagre? Não posso provar que sim, mas acredito nisso. Acredito porque não havia outra forma de que minha boca ficasse boa de repente. Mesmo que eu estivesse tomando medicações, o que não foi o caso, a boca demoraria a voltar ao normal, segundo tia Vânia.

Nesse mesmo dia o meu irmão André estava participando de uma cruzada evangelística aqui em Natal. Ele tinha facilidade com o inglês então foi convidado a participar traduzindo o que aqueles homens americanos estava falando. O local escolhido foi um ginásio em Candelária e, ainda pela manhã, fomos as local, eu, minha mãe e minha prima Carol. Haviam muitas pessoas e um Pregador falando sobre fé. Escutamos toda aquela mensagem e isso foi gerando fé em meu coração. Ao terminar a palavra este homem falou que Jesus estava ali para curar os doentes e que se quiséssemos Ele nos curaria. Ele disse que Jesus queri curar uma dor no pescoço, uma dor no ouvido e também queria curar na região entre o coração e o pulmão. Pronto! Era ali que meu tumor estava instalado, então Ele iria me curar. E eu só pensava: “Se tão somente eu tocar na orla de suas vestes, serei curada!!!” Se Jesus estava ali para curar eu precisava chamar Sua atenção. Abaixei minha cabeça , coloquei a mão no local que queria que Jesus curasse e clamei por misericórdia. Chorei muito pedindo a Deus por aquela cura. Eu cria de todo meu coração que Ele poderia, então não haveria impedimento, pois eu cria. Foi quando começou a esquentar no local. Um calor “glorioso” tomou conta da região do meu mediastino. Olhei para minha prima e perguntei se ela estava sentindo alguma coisa e ela disse que sentia um calor que saía de mim. Estava vindo calor do meu lado, ela dizia. Minha mão também sentia o calor porque ela também pedia a Deus pela cura de seu pescoço. Ah! Jesus estava ali e me curava. Ah! Como eu cria!!! Quando terminou a oração o pastor americano veio com meu irmão para nos conhecer. Ele não sabia que eu estava doente. André não havia dito nada. Ele chegou sorrindo em nossa direção e me abraçou e disse, em inglês: Cheia de Deus! Cheia de Deus! André, traduziu isto para mim. Daí ele abraçou minha prima, que na época estava distante de Deus e disse: Mais de Deus! Mais de Deus! Ela sabia inglês e entendeu na hora o recado de Deus para ela e ela disse: É verdade! Foi quando André comentou que estávamos ali para conhecer a cruzada e disse que eu estava doente. E eu pude dizer de minha experiência com a oração feita e a manifestação de Deus em mim.

No dia seguinte amanheci com muita dor na região torácica. Aparentemente onde estava localizado o tumor. Acordei mamãe e falei sobre a dor. Então, trocamos de roupa para ir ao hospital mais próximo. Na ida ao hospital minha mãe ligou para o Dr. Renato (pneumologista) para perguntar qual o melhor procedimento e ele orientou que nós fôssemos ao pronto-socorro do São Lucas porque ele estava acamado, mas a médica que estava de plantão era sua amiga e ele iria adiantar meu caso para ela.

Eu mal tinha acabado de sair de um hospital e não queria ficar internada em outro de maneira alguma. É tanto que não queria sequer colocar soro na veia. O que eu queria mesmo era uma radiografia do local para que nós tivéssemos uma idéia do que estava acontecendo.

_ Mãe, seja dura, viu? Eu não preciso ficar tomando medicação, eu só preciso saber o que é essa dor. Ficava falando repetidamente enquanto estava deitada na enfermaria.

_ Débora, vai ser feito o que for preciso. Ela afirmou enquanto aguardava a médica chegar.

Parece que eu estava com sorte mesmo. A verdade é que Deus sempre ia a frente, eu que só fui perceber isso muito depois.  A médica que estava de  plantão trabalhava na Liga norte-rio-grandense contra o câncer e já entendia bem do assunto. Antes de passar o raio-X, fez várias perguntas e não achando nenhuma explicação mais óbvia para aquela dor, ela preferiu falar o mais incomum:

  _ Isso é raríssimo acontecer, mas essa dor está parecendo que o tumor está diminuindo e então está mexendo com os órgãos ao redor. Mas vamos fazer uma radiografia para ter uma maior certeza.

Enquanto transcrevia o exame, ela ficava olhando para mim. Não sei o que ela pensava de fato, mas parecia que estava comovida com a minha idade e, ao mesmo tempo, impressionada com aquela dor. Era como se não estivesse acreditando que em uma única aplicação de quimioterapia o tumor estivesse regredindo a tal ponto de provocar dor. Até hoje não sei de fato o que, realmente, ela pensava naquele instante, mas a forma como ela ficou olhando para o exame repetidas vezes (tanto o exame anterior como o tirado naquela hora) balançando a cabeça me fez questionar o seu pensamento. Sem falar na forma como pegava em meu cabelo de modo contínuo, alisando-o e perguntando a minha mãe como tudo havia acontecido e como eu estava reagindo, pois era tão nova.

Fui à sala do raio-X e voltei com o exame na mão. Era inacreditável, mas a mancha tinha regredido tanto, que já não dava nem para perceber se não se soubesse que havia um tumor naquele local. A verdade é tanta que o laudo do Dr. Hermano Nóbrega – CRM 2915, expedido no outro dia, constava que a área estava normal:

TÓRAX

Transparência pulmonar normal.

Mediastino e seios costofrênicos sem alterações.

Área cardíaca normal.

Mais uma vez fui surpreendida! Vibramos com tal notícia. Ligamos para a família, os amigos e até para os médicos. Todos ficaram exultantes com a novidade. Eu sabia! Eu havia sido curada naquela manhã. Deus havia me curado e os órgãos estavam voltando para o lugar. A dor que tive foi para poder ver que havia tido cura de Deus naquela manhã. Se não houvesse tido dor jamais saberia. Acabaríamos o tratamento e acreditaríamos que a cura havia vindo dos remédios.

Parece que o dia seria longo. Quando ainda estávamos comemorando o resultado, comecei a sentir uma dor cansada no braço direito. Era uma dor constante, mal conseguia mexê-lo. Dr. Evyo descartou, por telefone, a possibilidade de ser um início de problema no coração, mas recomendou que eu voltasse ao pronto-socorro para uma avaliação. Parece cômico, mas lá estava eu de volta no mesmo local. Só não era a mesma médica.

Passei por outra bateria de exames, até o eletrocardiograma, que mede a pulsação cardíaca, mas nada foi detectado. A cardiologista de plantão deduziu que fosse uma espécie de flebite – inflamação nas veias, causada pela medicação quimioterápica. Daí ela indicou que eu tomasse um antiinflamatório chamado Vioxx e fizesse massagem circulatória no braço. Essa medicação é bastante forte, então preferi fazer somente a massagem para ver se a dor aliviava. Assim fizemos e então consegui descansar.

Após a cirurgia, o médico tinha pedido que eu mostrasse o resultado da biópsia. Como eu tive que ir para Recife começar o tratamento, não pude mostrar esse resultado assim que ele saiu. Então resolvemos marcar para uma segunda-feira, dia 16 de setembro.

A minha imunidade ainda estava baixa então todo cuidado era pouco. O consultório que Dr. Hélio atendia possuía outras especialidades, inclusive infectologia e pneumologia, por isso foi preciso que eu estivesse de máscara para me proteger de qualquer doença desse tipo. Essa era uma atitude que não me parecia difícil, até chegar ao consultório e sentir todas as pessoas ficarem olhando para mim com um olhar de curiosidade e de medo. Quando eu procurei um local para sentar, duas senhoras que estavam ao lado da cadeira se levantaram sem nem disfarçar que não queriam ficar perto de mim. Eu via as pessoas comentando umas com as outras e olhando para mim. Foi horrível a sensação!

Depois de algumas horas passando por esse constrangimento, o médico mandou me chamar. Por causa de seu perfil, minha mãe preferiu não entrar na sala. Tínhamos receio que ele reclamasse por causa da demora de ir mostrar o resultado, então entrei sozinha. Quando ele me viu, deu um belo de um sorriso, eu até me admirei e então pedi desculpas pela demora e expliquei a causa. Enquanto ele via o resultado e também a radiografia que acusava a regressão do tumor, perguntei se tinha dado muito trabalho durante a cirurgia.

_Quem disse que você deu trabalho? Quem falou isso? Se toda paciente fosse como você, as coisas andariam mais rápidas.

 Fiquei lisonjeada com o que ouvi, até porque não esperava ouvir isso dele. Ele parecia me achar tão “fresquinha” e frágil. Mas ele me parabenizou pela forma como eu estava encarando a doença. Saí da sala muito mais entusiasmada e otimista do que eu já estava.

4 comentários agosto 27, 2011

MAS E MEUS PLANOS ?

O dia 23 de setembro antecedeu a segunda quimioterapia, que correspondia à última aplicação da primeira sessão. É de praxe que o paciente se submeta a uma bateria de exames de sangue para saber como anda a imunidade e comigo não foi diferente. Às 7 horas da manhã, fui pegar uma amiga minha de Fortaleza, Pâmela, que iria ficar uns dias comigo. Ela veio assim que soube da minha doença e, então, resolveu prestar solidariedade mais de perto.

No dia seguinte, o dia da aplicação, eu levei os exames e Dr. Evyo ficou bastante desanimado com o que viu. Todo o quadro de hemograma estava bastante baixo. Como a dosagem tinha sido muito alta era de se esperar uma baixa, mas a queda foi muito grande. Mesmo assim, ele não podia adiar e aplicou assim mesmo.

O exame, em geral, deu bastante baixo, mas o que o preocupou mais foram os leucócitos que acusaram 2.400/mm³ e os segmentados 240/mm³.

Diante desse quadro, as mudanças foram bruscas. Eu iria ficar isolada das pessoas, porque agora até uma ‘gripe inofensiva’ poderia me matar. O meu cabelo iria começar a cair em mais ou menos três dias. Eu teria que comprar um remédio chamado Cipro que custava R$ 135,00. Ele afirmou que se eu tivesse febre, antes de ligar para ele, eu tomasse o Cipro. Esse remédio deveria me acompanhar por onde quer que eu fosse, e não podia ser genérico. Em outras palavras, esse remédio salvaria a minha vida, caso fosse necessário. Meu pai aproveitou e comprou uma pasta de dentes especial e um anti-séptico bucal para eu usar, pois na minha boca já estava começando a aparecer aftas, e dali para frente seria cada vez pior, segundo o médico. 

Diferente do combinado, eu não voltaria para Natal. Ficaria isolada na casa da minha avó. Eu fiquei um pouquinho triste, pois não iria nem poder curtir a chegada de Pâmela direito. Ela teve que voltar para Natal com meu pai e depois pegar estrada de volta para Fortaleza, por causa de seus afazeres. Mesmo que tenha sido pouquíssimo tempo, foi de grande valia para mim. Ter amigos por perto representa muito para mim.

Ficar em Recife na casa dos meus avós foi uma decisão dos meus pais e parentes juntamente com o médico. Foi decidido assim porque, como eles são aposentados, teriam mais tempo para cuidar de mim e da minha alimentação. A alimentação foi muito recomendada por ele, porque faria diferença na recuperação da defesa.

_Dr. Evyo, que vitamina você indicaria para eu dar para Débora? perguntou mamãe.

_Feijão preto e muito descanso. Retrucou ele.

A partir daí, antes de qualquer alimentação, minha avó fazia eu tomar um caldo de feijão preto. Ela também fez um xarope de beterraba com rapadura para eu tomar três vezes ao dia. Era uma espécie de melaço que ela aprendeu com sua mãe e servia para anemia. Apesar de ser de beterraba, que eu particularmente não gosto, o gosto era muito agradável. E não é que ajudou bastante na recuperação das hemácias!

Ao chegar à casa da minha avó, eu fui direto para o quarto em que ela havia feito uma grande faxina, até porque o cuidado teria que ser triplicado. No quarto havia televisão, ar-condicionado, som e livros. Tudo para que pudesse me entreter, pois eu não sairia de lá para nada.

Ao me deitar, lembro que o quarto estava escuro e não havia ninguém dentro dele. Mas eu disse a Deus o quanto me sentira sozinha naquele instante e gostaria que Ele ficasse ao meu lado. Queria senti-Lo de perto. A sensação foi que Ele sentou mesmo ao meu lado, pois comecei a ouvi-Lo dizer o quanto queria mudar minha vida. Deus começou a me dizer que tinha planos para minha vida e estes não tinha nada a ver com os meus. Ele falou que queria me transformar para me fazer uma esposa, dona-de-casa e mãe segundo Sua vontade. Disse que me treinaria para isso, ainda solteira, e que Seus planos não estava em me fazer uma grande Jornalista. Isso não iria acontecer. Seus planos tinha a ver com o Reino dEle aqui na terra e que ao me tornar uma mulher dedicada a minha casa seria palco para muitas vidas serem transformadas. Fiquei meio atordoada com tantos planos diferentes do meu e perguntei:

_ Mas, Senhor! Como eu vou ser uma boa dona de casa, se nem gosto dos trabalhos de uma casa? Eu queria continuar meus estudos para crescer e me tornar alguém bem sucedida. A televisão era o meu grande alvo e sei que sou capaz. Esse negócio de me dedicar a marido, filhos e casa não. Definitivamente não está não em meus planos.

_ Débora, quero  mexer nas tuas convicções! Vou te transformar em alguém muito diferente.

_ Deus, então muda! Faz um milagre porque, definitivamente, saberei que foi o Senhor. Porque não tenho vocação mesmo.

Eu fiquei pensando em tudo isso que me deixou atordoada, confesso. Não conhecia nada sobre a palavra em Tito, capítulo 2, que descreve como deve ser uma mulher segundo o coração de Deus. Acabei de conhecer! Só que, diretamente de Deus pra mim.

Logo após tudo isso,  fiquei bastante enjoada, e minha boca estava doendo muito por causa de uma grande afta localizada no início da minha garganta. Quando eu enjoava e me virava para vomitar, a garganta doía muito, então eu comecei a pedir a Deus para que naquela noite me poupasse de vomitar, iria doer muito. A sensação foi acabando e eu acabei adormecendo. Ao amanhecer, a boca já estava com mais aftas e os enjôos estavam aumentando cada vez mais. Já não havia mais vontade de comer, a verdade é que eu não tinha vontade de fazer nada. Mas era preciso um esforço para comer bem e tomar, no mínimo, dois litros de água por dia para que o remédio fosse expelido mais rápido. Mesmo que eu não quisesse me alimentar, eu estava sendo controlada por tias, avós e mãe.

A ordem de que ninguém podia chegar perto de mim era muito monitorada, principalmente pela minha mãe. Ninguém podia ficar no quarto, nem mesmo o Gabriel que havia chegado de Natal só para estar mais perto de mim. Eu sempre estava de máscara, mas qualquer um que entrasse deveria estar também. A situação já era um pouco tensa, mas ficava ainda pior. A tristeza foi tomando conta do meu coração. Parecia que eu estava entrando em depressão. Algo que, até então, desconhecia. Nada poderia ser pior para mim do que não poder ficar perto das pessoas que eu mais amava, não poder conversar, não poder sequer estar ao lado… era tudo muito deprimente.

Para completar a tensão, uma cabeleireira foi lá na casa para eu cortar o cabelo. Tive que cortá-lo na altura do queixo. Foi uma dica de Érica para que, ao cair, não fosse tão forte a sensação. O médico tinha dito que ele começaria a cair em alguns dias e já estava caindo muitos fios, mas nunca de um lugar só. A fronha estava lotada de fios de cabelo, a escova também, mas ainda não tinha começado a cair ao ponto de ficar falhas na cabeça. 

No sábado, a minha avó, muito preocupada com a minha falta de apetite e a minha tristeza, resolveu reforçar o café da manhã. Eu fui intimada a comer tudo, mesmo que à força. No almoço ela fez um ‘empadão de frango’, uma de suas especialidades, para que eu comesse melhor. O médico tinha orientado que o que eu quisesse comer, eles me dessem, mesmo que não fosse tão nutritivo, pois era melhor eu comer qualquer coisa do que não comer nada. Essa orientação foi dada porque os enjôos seriam cada vez piores, então o fastio aumentaria.

Nesse mesmo dia os meus pais chegaram de Natal. Eu já estava com saudades e já não agüentava mais aquele isolamento. Chamei meus pais e comecei a chorar dizendo que queria voltar para Natal, ficar mais perto dos meus amigos, estar na minha casa. Não que a casa da minha vó fosse ruim, mas eu precisava estar no ambiente que fazia parte da minha vida, antes da doença. Eu pensei que os meus pais entenderiam, mas o meu pai, particularmente, me deu uma lição de moral. Ele lembrou que meu estado era crítico e que tudo aquilo era um cuidado médico para que eu não morresse.

_Você precisa colaborar Débora! argumentou meu pai.

E como se não bastasse, ele lembrou de um rapaz que sempre fica no sinal da ‘Ilha do Leite’ em Recife. Esse homem fica em uma cadeira de rodas, debaixo do sol, vendendo biscoitos ou canetas. Apesar de sua dificuldade, ele sempre está com um belo sorriso no rosto. Quando meu pai lembrou desse homem era para me mostrar que o meu problema não é tão grande assim comparado a outros, e aquele homem nos passa uma lição de vida linda com aquele sorriso.

A comparação pode não ter sido das melhores, mas foi eficaz. Não achava a minha doença o maior problema do mundo, mas não se trata de uma gripe qualquer, eu estava fazendo um tratamento pesado para combater uma doença séria. Mas, enfim, foi um exemplo bastante necessário para que eu reavaliasse as minhas ‘indagações’. 

Na segunda-feira, foram realizados exames de sangue novamente para o médico fazer o acompanhamento das taxas. Para minha surpresa elas estavam bem mais altas. Daí fui liberada a voltar para Natal e sair um pouquinho mais do isolamento, só que não podia extrapolar. Os meus avós decidiram que iriam deixar tudo ordenado lá em Recife e iriam passar o tempo que fosse necessário em Natal para continuar cuidando mais de perto de mim. Esse desprendimento deles foi de grande emoção para meu coração e para a minha família que ficou muito comovida com essa atitude. No dia 02 de outubro eles chegaram, sem dia certo para voltar.

4 comentários agosto 26, 2011

A EXPECTATIVA DO FIM

A minha terceira aplicação estava marcada para o dia 08 de outubro, mas não foi possível porque novamente meus exames estavam muitos baixos. Os leucócitos estavam acusando 2.800/mm³, os neutrófilos 616/mm³ e os segmentados 532/mm³.

Como era o início da segunda sessão, e não o final de uma sessão, dava para adiar por mais uma semana. Era assim que Dr. Evyo procedia no meu caso. Acredito que seja um procedimento em muitos casos. No mesmo dia eu voltei para Natal, até porque havia toda a estrutura para cuidar de mim nesta cidade.

Eu tinha entendido que Dr. Evyo havia falado que eu pararia em duas sessões se o tumor regredisse bastante e que terminaria o tratamento com radioterapia. A minha expectativa, não preciso nem falar, estava altíssima, afinal o tumor havia, praticamente, desaparecido. Eu tinha certeza que tudo isso iria terminar rápido, até antes de terminar o ano. Eu contava essa boa nova para todos que eu tinha oportunidade.

Antes de terminar a semana, ainda no domingo, fomos à Lagoa do Bonfim que se encontra no município de Nísia Floresta, no Rio Grande do Norte. Fomos participar de um almoço em família. Ao chegar à casa da minha cunhada, fiquei deitada numa rede perto da lagoa. Eu estava proibida de ver o sol, porque toda aquela medicação poderia manchar mais ainda a minha pele. O dia estava lindo e muito quente, por isso estavam todos tomando banho, mas eu não poderia fazer tal astúcia. Quando chegou perto das 14 horas o calor começou a aumentar e me fazer muito mal. Comecei a sentir tontura, enjôo e calafrio. Associei isso ao calor porque não havia outro motivo mais óbvio do que esse. Achamos melhor voltar para casa e descansar para o outro dia. Logo ao amanhecer, viajamos para Recife, levando o exame de sangue que havia dado normal. 

Já era dia 14 de outubro e minha menstruação não havia chegado. Chamei minha mãe para contar o atraso. Eu não estava preocupada porque eu tinha certeza que Deus estava no controle disso também. Mas, ao mesmo tempo, batia um certo receio das coisas. Lembro que contei à mamãe e esqueci esse detalhe, mas ela ficou um pouco apreensiva e foi orar. Deus a consolou também. Ele é bom!!!

Passamos o dia resolvendo as autorizações em Recife. As próximas quimioterapias iriam ser na clínica Multihemo, pois o convênio não permitia mais fazer no hospital Santa Joana. Dr. Evyo também iria viajar para a França, onde participaria de um Congresso de Oncologia e Pesquisa. Durante esse período Dr. Iran e Dra. Patrícia, pupilos dele, ficariam responsáveis por mim. Dr. Iran era um dos donos da clínica e já conhecia meu caso. Ele é um amor de pessoa e me cumprimentou com muito carinho, dizendo que eu não temesse, pois o mesmo cuidado que Dr. Evyo tinha comigo, ele iria ter. Dra. Patrícia também foi bastante carinhosa e cuidadosa. Identifiquei-me muito com ela porque Dr. Patrícia era a única mulher que estava cuidando de mim, então ela parecia entender mais as minhas ansiedades, como a queda do cabelo, por exemplo.

No dia da quimioterapia acordei com uma cólica no “pé da barriga”. Estava tão despreocupada que nem me lembrava da menstruação, mas era a própria. Na verdade eu não sei se estava descansada mesmo ou se a ansiedade em trocar de clínica era tão grande que não me fazia parar para pensar nisso.

Ao chegar a Multihemo fiquei esperando um tempão para ser atendida, pois uma das médicas iria acompanhar meu caso enquanto Dr. Iran não chegava. A enfermeira-chefe, chamada Fernanda, veio me receber e me apresentou todos os quartos da clínica e onde eu poderia tomar as aplicações. Gostei dela assim que a conheci e isso é importante porque no estado frágil em que nos encontramos é preciso confiança e simpatia por quem irá cuidar de nós. Fernanda era responsável pelos medicamentos, por todo o desempenho dos enfermeiros e por meu bem-estar.

Como já eram 14 horas, eu já havia almoçado, então eles me ofereceram um lanchinho só para que o meu estômago não ficasse vazio enquanto a medicação passava pelo corpo. Tudo ocorreu tranqüilamente. Até gostei muito do quarto que eu fiquei porque tinha uma janela imensa que mostrava a paisagem do lado de fora. O céu estava muito lindo, então pedi que mamãe desligasse o ar-condicionado para que eu sentisse o clima de fora do hospital. Penso que o clima ficaria mais leve se todos os quartos tivessem aquela paisagem: um céu azul, sem quase nenhuma nuvem. Ao lado do quarto havia uma árvore que balançava suavemente com o vento e também havia um pássaro que voava de um lado para o outro da janela. Não se tratava de uma paisagem extraordinária, mas de um outro lado que não aquelas quatro paredes de uma sala muito fria que cheirava a éter.

Assim que terminou a aplicação voltamos para Natal. Dessa vez chegamos à noite, mas, como sempre, eu não achava a viagem demorada, pois estava dopada. Lembro que assim que entrei na sala, estavam todos tomando sopa e, quando me viram, sorriram para mim, me abraçaram. Todos respeitavam meu estado naquele momento. Eu queria ficar calada, isolada e descansar, então eles me acolhiam e depois me deixavam só. Era difícil para todos, principalmente para minha mãe, mas eles respeitavam.

Em todos os intervalos de uma quimioterapia para outra havia muitos dias de isolamento. Eram para mim os piores dias, ao mesmo tempo foram os momentos em que mais pude refletir  em muitas áreas. Refletia sobre minha vida profissional, espiritual, relacionamentos pessoais, meus medos, minhas ansiedades, fazia planos, enfim, fiz um grande balanço da minha vida. Quando dava para receber visita, fazia festa. Quando não dava, a minha cabeça é que virava uma festa.

Como eu já comentei, eu tinha certeza de que o meu tratamento acabaria na quarta quimioterapia, então o dia havia chegado. Eu me preparei tanto que levei até uma máquina fotográfica da faculdade para tirar as fotos que valeriam nota para avaliação da disciplina ‘fotografia’.

No início da aplicação, enquanto ainda estava no soro, comecei a sentir minha vista ficando embaçada, daí quando falei para Fernanda ela disse que era normal e que iria passar. Assim aconteceu! Quando ainda estava tomando a aplicação, fazia a maior festa porque dizia que nunca mais iria estar ali. As enfermeiras também torciam por isso, mas não comemoravam muito porque sabiam que se não fosse daquele jeito eu ficaria muito arrasada. Por experiência, elas preferiam não comemorar antes do tempo. A médica entrou na sala e ficou pegando no meu cabelo e dizendo que estava impressionada porque ainda não tinha caído. Então eu disse que agora não iria cair mais, até porque estava terminando. Daí ela falou que se isso não acontecesse eu tivesse que passar por mais quatro quimioterapias o meu cabelo não iria agüentar e cairia. Não sei por que Dra. Patrícia fez aquela afirmação. Não vejo como uma atitude negativa, mas apenas como algo a que eu dava muito valor e que ela também.

Assim que terminou a aplicação eu percorri os corredores da clínica para tirar as fotos referentes à disciplina. Eu estava mais dopada que as outras vezes, mas mesmo assim eu tirei todas as doze fotos. Escolhemos os melhores ângulos, os melhores materiais e caprichamos.

Já era quase uma hora da tarde, então resolvemos entrar em um restaurante bem famoso de Recife chamado Skillus. Ele era um self-service bem requintado. Assim que entramos, ficamos esperando um pouquinho porque tinha muita gente, mas apenas uns 10 minutos. Eu estava um pouco enjoada, mas queria comer logo e ir para casa. Quando ainda estava comendo, mais ou menos no meio da refeição, eu senti que meu estômago estava empurrando a comida para fora. Nunca eu havia sentido aquilo, mas eu tinha certeza que iria vomitar toda aquela comida que eu ainda não havia digerido direito. Olhei para minha prima e disse que iria vomitar e nós corremos ao banheiro. Não deu tempo nem de chegar no sanitário, eu vomitei na pia e no chão. Quando eu tinha acabado de fazer todo aquele esforço – até porque doeu muito, pois a comida estaca apenas mastigada – a senhora que tomava conta da limpeza do banheiro entrou e não gostou nada do que viu. A feição dela era de muita raiva, pois seria ela que limparia aquela sujeira toda. Mas foi só minha prima falar que eu tinha acabado de sair da quimioterapia que sua feição mudou e ela disse que eu não me preocupasse com aquilo, deixasse que ela limparia. Eu confesso que me senti muito mal. Eu queria ir embora daquele lugar o mais rápido possível. Minha mãe me deu um Dramin e eu fui me deitar. Passei a viagem toda apenas com o suco de cajá que meu pai havia pedido no restaurante para que eu tomasse o remédio. Até hoje quando passo em frente a esse restaurante lembro de todos os detalhes como se fosse hoje e não sei se um dia entrarei ali de novo, pois o local me remete a enjôo, vomito e toda a vergonha que eu passei.

Dr. Evyo já havia falado para mim que algumas comidas eu iria enjoar. É uma espécie de simbolismo que o cérebro processa junto aos sentidos do corpo humano (tato, paladar, olfato, visão e audição). Essa associação se torna normal e freqüente nos pacientes. Mas quanto a lugares, eu ainda desconhecia. Até que entendi que a mente pode remeter a qualquer coisa: cheiro, imagem, som etc. Não diferente das outras vezes, eu acordei bem no outro dia e fiquei muito bem o resto da semana. Então, resolvemos, no dia 04 de novembro, comemorar o aniversário de vovó. Muitos filhos vieram para Natal comemorar e isso fez muito bem ao meu coração. Estava, realmente, muito feliz de ver toda a família reunida lá em casa. Isso me dava muito mais força.

A família é fundamental em todo o processo de um tratamento como esse. Tanto emocionalmente falando como fisicamente também. Sempre procuramos, como família, viajar juntos, comer quando todos estivessem à mesa, conversar sobre tudo, compartilhar dores e alegrias, enfim, tentamos fazer muitas coisas juntos. Esses hábitos foram passados por meus pais desde de nossa infância e sempre quando possível nós fazemos questão de realizar. Acredito que é uma linda forma de nós, como um ser individual, se sentir parte de uma família. São nesses momentos, muitas vezes ignorados, que nasce cumplicidade, amizade, respeito, admiração e maturidade através de trocas de opiniões.

Durante uma doença como essa que exige, sobretudo, atenção e cuidado da família. Esses hábitos tornam-se essenciais para uma melhor recuperação dia após dia. Se não tivéssemos esses costumes seria muito mais complicado nos reeducarmos. Sim porque esse aconchego do lar foi de um valor inestimável para que eu conseguisse prosseguir.  

Não falo aqui somente de pai, mãe, irmãos, maridos ou filhos, até porque algumas pessoas não mais os têm ou nunca tiveram, mais daqueles que estão ao nosso derredor no dia a dia, àqueles que fazem parte de nós. Eu não só tive o apoio dos meus pais e irmãos, como avós, tios, tias, primos etc. Lembro do desprendimento de todos eles quando se tratava de mim. Os meus avós que moram em Recife, vieram ficar na minha casa em Natal só para cuidar melhor da minha alimentação e para estar perto de mim. Algumas tias e primos iam comigo a quimioterapias para me fazer companhia e cuidar de mim. Minha prima Carol deixou todo o seu conforto em casa e preferiu me acompanhar em todo o tratamento. Passou alguns meses comigo e conseguiu conquistar a confiança da minha mãe para cuidar de mim enquanto ela precisava estar ausente.

Nunca irei me esquecer de nenhum desses esforços físicos e mentais só para me fazer sentir mais amada e melhor. Eles estiveram comigo antes, durante e depois. Nas horas de alegria, nas horas de tristeza, nas dores e nos alívios, nas conquistas e nas derrotas. Eles estiveram sorrindo e me passando esperança. Eles estiveram… e sempre estarão. E isso alegra muito o meu coração por saber que, de verdade, eu tenho uma família para o que der e vier.  

Durante essas duas semanas que eu acreditei que a quimioterapia havia terminado, recebi muitas visitas que se animavam comigo, e com as coisas compartilhadas. Mas teve a visita de um homem, amigo do meu pai, o Nelson, que marcou a minha vida. Ele chegou e me deu um grande abraço, daqueles abraços fortalecedores. Lembro que ele me chamou na sala e disse que Deus havia dito algo para ele me dizer.

¾ Débora, o Senhor disse que está tudo sob controle e que você, em nenhum momento, tire os olhos do alvo que é Jesus. Não olhe para as circunstâncias, olhe para a cruz de Jesus que em tudo lhe ajudará. Mesmo que as circunstâncias forem difíceis e contrárias, Ele está contigo.

Eu confesso que foi muito bom ouvir àquela palavra, mas eu não tinha entendido pois já havia passado o pior e, realmente, estava tudo sob controle. Era como se aquela palavra tivesse chegado meio atrasada. Mas, mesmo assim, agradeci por ela. Não sabia eu que alguns dias depois eu precisaria lembrar muito dela para me confortar.

Add a comment agosto 25, 2011

A QUIMIO QUE VIROU ÁGUA DE COCO

No dia 10 de novembro, minha mãe ligou para Dr. Evyo para saber se ele passaria outra tomografia e ele disse que eu faria sim, mas que ele iria passar mais duas sessões de quimioterapia independente do resultado que sairia no exame. Levei um choque! Não acreditei que ele faria isso comigo. Não podia ser!

Fui fazer a tomografia acreditando que ela diria que estava tudo normal e que não continha mais nenhum linfonodo que pudesse indicar ainda algum sinal de tumor. No dia 12 de novembro fomos pegar o resultado dos exames e o levamos até Dr. Evyo. Ele olhou para mim e disse que ainda restava algo parecido com o tumor e que não abriria mão das outras quatro aplicações.

A verdade é que ele não tinha certeza de que o que restava era apenas uma cicatriz ou ainda resto de tumor e para não errar ele preferia aplicar o restante. Ele usou até a expressão “pecar por excesso do que por falta”. Naquela hora parece que o mundo caiu na minha cabeça. Eu não parava de chorar. Na verdade, eu não sei bem o sentimento que eu estava tendo naquele momento, mas era uma junção de medo, decepção, tristeza, raiva, angústia, ansiedade e outras coisas mais. Dr. Evyo quando me viu chorar ficou bastante preocupado e ficou perguntando o que é que ele tinha dito para que eu ficasse daquele jeito. Mas eu não respondia nada e só fazia chorar. Érica, a psicóloga, foi quem explicou tudo para ele, mas ele disse que não tinha acordo e que preferia exagerar na dosagem do que deixar de dar o que precisava ser dado. Ainda naquele mesmo instante nós fomos à Multihemo para a quinta aplicação. Todos tentavam me animar, até meu tio Cauzinho, que é muito palhaço e tem muito carinho por mim, foi à clínica para me fazer esquecer aquele sofrimento todo. Mas eu não parava de chorar. Chorei por mais de três horas seguidas.

Foi a pior quimioterapia que eu fiz, pois é comprovado cientificamente que quando a mente não está boa o corpo padece. Eu já entrei na sala chorando muito e ninguém dizia uma palavra sequer, pois sabia que de nada adiantaria. A enfermeira chefe, Fernanda, resolveu aplicar a injeção porque ela tinha muita prática, então para me agradar mais ela fez isso, só que não conseguiu de primeira porque eu estava muito tensa. Daí ela conversou comigo e tentou pela segunda vez, foi quando conseguiu. Eu não queria conversar com ninguém, eu só queria ficar quieta no meu canto. Quando ainda estava na terceira medicação eu já estava sentindo dor no braço, então elas resolveram prolongar mais a aplicação para que doesse menos. Quando já estava na última aplicação, eu estava bastante enjoada. Fernanda foi então pegar o Zofran – remédio para tirar o enjôo – para colocar no soro. Quando a medicação começou a entrar minha vista ficou muito embaçada e meu corpo começou a tremer descontroladamente. Tia Cléia, que estava cuidando de mim enquanto mainha tinha ido fazer um lanche, viu o que estava acontecendo e chamou Fernanda que quando chegou viu umas placas vermelhas no meu pescoço e correu para pegar o corticóide. No mesmo instante que o corticóide foi injetado, o corpo foi parando de tremer. Foi instantâneo! Quando as sensações foram melhorando eu pedi para vomitar e, então, coloquei todo o almoço para fora. Nessa mesma hora mainha chegou e, quando viu aquela cena, começou a chorar. A médica disse para mainha que o pior havia passado e estava tudo bem. Eu terminei a aplicação e fomos embora. O que antes durava apenas três horas, dessa vez durara seis. Eu saí da clínica carregada pela minha tia e minha mãe. Elas me levaram para a casa da minha tia que era de frente para o mar. Lá, eu iria descansar até meu tio chegar e me levar para a casa dos meus avós. Eu estava muito dopada e só queria dormir. Mas já estava bem, ou melhor, eu já estava me acalmando e aceitando a idéia de mais quimioterapia.

Foram nesses momentos mais dramáticos que pude perceber que a minha mãe, apesar de sua aparente fragilidade, estava sendo um touro. No decorrer de todo o tratamento fui percebendo que a sua presença física e emocional em todos os momentos foi de suma importância para a minha vida e até para minha recuperação. Percebe-se, então, que a partir deste momento eu não me refiro mais a ela como ‘minha mãe’, mas como ‘mainha’. Essa modalização no discurso deu-se ao fato de que, com o decorrer dos momentos de crise, a aproximação física foi aumentando e a mudança ao me referir a ela foi inevitável.

Quando cheguei na casa dos meus avós, eu só queria dormir. No outro dia a expectativa era muito grande sobre como eu iria acordar. Todos estavam achando que eu poderia entrar numa depressão e isso seria muito ruim, porque meu corpo sentiria. Quando abri os olhos, lembro que comecei a refletir sobre o que havia ocorrido. Fiquei um tempão parada dentro do quarto só refletindo. Comecei a agradecer a Deus pela vida, pelas chances de estar bem, apesar de…, e de ter um médico tão cuidadoso. Comecei a ver que todo aquele cuidado não era exagero, era necessário e Deus já havia me avisado, então por que tanto desespero? Quando abri a porta do quarto, dei um sorriso para minha mãe que estava na sala e pedi para comer. Eu estava muito inchada por causa dos corticóides e dos choros, mas a minha alma estava bem de novo. Todos se alegraram muito ao me ver assim. O que eu senti naquele momento foi que apenas uma coisa me era necessária: continuar acreditando!

Lembro que fiz uma oração a Deus pedindo que o que fosse excesso do homem, Ele transformasse a quimioterapia em água de coco para nutrir meu corpo. Que a quimio não surtisse efeito porque eu já sabia que Deus havia me curado. Falei para todos, mas alguns muitos resolveram não acreditar, então, Senhor, transforma em água de coco, por favor!

Dr. Evyo ligou bem cedo para falar comigo, mas eu não queria falar porque eu choraria mais, então mainha falou que eu estava bem e me recuperando. Ele soube de tudo o que havia acontecido e pediu que eu continuasse reagindo da forma como eu vinha fazendo porque isso só ajudaria.

Sempre que a minha imunidade estava bem, eu dava um jeitinho de sair de casa. Dois dias antes da sexta quimioterapia eu fui à igreja que eu sempre freqüentei. A minha mãe foi lá na frente falar de como tudo estava ocorrendo nas nossas vidas e pediu que eles cantassem uma música da qual eu gostava muito. Quando eles começaram a cantar, eu não agüentei e comecei a chorar e corri para o banheiro. Eu não gostava que ninguém me visse chorando. Sempre, nesses momentos, eu ficava dentro do chuveiro para que ninguém percebesse. Mas a mãe da minha cunhada (costumo chamar de tia Edna) viu que eu tinha corrido para o banheiro e veio atrás de mim. Quando eu a vi, me abracei bem forte a ela e disse que estava cansada. Ela só fez me abraçar e dizer que tudo estava perto do fim e então fui me acalmando. Nada melhor do que um colo nessas horas e o colo, nesse momento, era o dela.

Minha tia Nirinha, que era médica e estava por dentro de tudo o que estava acontecendo, pois era muito amiga de Dr Evyo, me ligou. Ela começou perguntando sobre meu cabelo e eu disse que ainda estava lá na minha cabeça. Ela, como Ginecologista, não deixou de perguntar sobre minha menstruação, e eu disse que também estava vindo e com cólica. Diante desse quadro ela perguntou se Dr Evyo estava me dando água de coco ao invés de quimioterapia. Caí na gargalhada e disse que sim. Ele estava dando água de coco sem saber, pois Deus estava transformando este remédio. Acho que ela ficou se entender tudo.

No dia 26 de novembro viajamos mais uma vez para a sexta quimioterapia. A expectativa estava muito grande porque eu sentia medo de passar por toda aquela crise alérgica de novo. Mas foi totalmente diferente! Ocorreu tudo bem. A medicação foi mudada para tirar o enjôo e eu não senti mais nada. Quando entrei na clínica as enfermeiras ficaram muito alegres por me ver sorrindo e ainda com cabelo. Na verdade, elas já acreditavam que aquilo foi uma quedinha que iria passar rápido.

Já conformada, comecei a encarar cada quimioterapia como ‘menos uma’. Até que chegou a sétima e penúltima quimioterapia que ocorreu no dia 10 de dezembro. Tudo ocorreu tranqüilamente bem. Nessa aplicação minha mãe não pôde ir à Recife por causa de uma reunião na faculdade. Ela ficou muito triste e tentou de todas as formas se ausentar, mas não pôde. Chamei, então, minha amiga Tereza para me acompanhar. Eu iria num dia e voltaria no outro. Ela aceitou. Seria uma forma de minha mãe ficar mais calma (alguém cuidando de mim). Tereza sempre está fazendo graça para todo mundo rir e, na sessão da quimioterapia, não foi diferente. Ela e meu primo Paulo, que também faz muitas gracinhas, ficaram brincando comigo o tempo todo. Até quando eu me levantava para vomitar. Tereza costuma dizer que foi o único dia que ela conseguiu conversar comigo, numa espécie de monólogo, porque ela podia falar direto sem minhas interrupções, até porque como euestava dopada, eu só fazia mexer a cabeça para um lado e o outro, respondendo às perguntas.   

Passei as semanas que antecediam a última quimioterapia ajudando a preparar as comemorações festivas de fim de ano e, então, estávamos preparando para comemorar tanto o Natal quanto o fim das quimios.

A última aplicação estava prevista para o dia 24 de dezembro. Eu estava muito ansiosa para que o tratamento terminasse, mas eu não queria passar a véspera de Natal enjoada ou dopada. Eu queria curtir essa festa de maneira especial. Dr. Evyo, não sei como, concordou com a idéia e adiou a aplicação para o segundo dia do ano.

A festa de Natal foi comemorada em Recife, mas o fim de ano foi aqui no Rio Grande do Norte, na lagoa do Bonfim. A minha família se mobilizou toda para vir à Natal e fazer uma festa de final de ano havaiana. Outra grande festa que teve foi o noivado do meu irmão mais velho. Juntamos o reveillon e o noivado e comemoramos muito. Ainda durante os fogos, enquanto nos abraçávamos, comecei a chorar. Para mim tudo aquilo tinha um valor maior, tinha um grande significado. Lembro que uma tia minha que vinha acompanhando todo o meu processo, Valéria, me abraçou e disse:

¾ Vamos começar um novo ano com uma nova vida, não é filha? Tudo está voltando ao que era antes.

¾ É verdade! Só que com um gostinho especial! Falei ainda abraçando-a.

Passamos o dia primeiro arrumando as bagagens, porque iríamos voltar logo após o almoço. Ainda no caminho para Recife, eu estava deitada no carro, quando tive uma das vistas mais lindas que eu já vi: o pôr do sol. Era um sol meio avermelhado em um horizonte que não parecia muito longe. Também lembro de que havia poucas nuvens ao seu redor. Essa vista deu para ver bem, pois o terreno em sua frente estava desmatado. Aquela cena foi linda! Olhei para trás e pedi para que minha avó chamasse minha prima para ver tudo aquilo. Todos ficaram maravilhados com a beleza daquele céu. Realmente, a cena estava surpreendente, mas a junção dela com o momento da minha vida é que foi significante.  Deus sussurou em meu ouvido: _ Filha, isso tudo é para te lembrar de que estou contigo. Não me esqueci de ti. :A sensação que tive é que havia um céu todo resplandecendo em favor de mim e torcendo por minha vida. Dizem que quando nos deparamos com a morte, tudo o que antes fazia parte do cotidiano é o que se torna mais valoroso. Posso dizer que uma cena daquela não fazia parte de meus dias corriqueiros, mas mesmo em suas raras aparições, ele não passa mais despercebido em meu olhar.  

Já à noite, por volta das 20 horas, nós chegamos a Recife. Como eu havia passado o reveillon na lagoa do bonfim, a minha garganta estava, completamente, inflamada. Eu já não conseguia mais falar por causa de dor na garganta. Quanto mais passava a hora, mais ela doía. Resolvemos ir ao hospital da Unimed para fazermos os exames pré-quimioterápicas e verificar se essa inflamação implicaria o final do tratamento. Fiquei quase duas horas esperando ser atendida pelo médico. Quando ele examinou a garganta, verificou um estado de faringite aguda, o que o preocupou por causa do meu tratamento. O quadro era ruim, mas não havia sinal de febre. Ele passou uma medicação para aplicar direto na garganta e pediu um hemograma para analisar a imunidade.

Quando já passava mais de uma hora de espera, a médica responsável pelo laboratório, Dra. Nancy Ferraz, veio trazendo os exames e pediu para falar com o médico. Eu estava deitada porque me sentia muito mole, mas mainha correu para saber o que estava acontecendo. Dra. Nancy estava dizendo que Dr. Evyo não iria acreditar na resultado, pois a imunidade estava normal e isso era impossível. Depois de sete aplicações a imunidade já não responde tão bem. Mas o hemograma estava normal e por mais que a médica não acreditasse, eu acreditei. Sabia que era possível, pois em todo o meu tratamento, muitas coisas ‘impossíveis e inesperadas’ aconteceram. Mainha sorriu e disse à médica que ela não se preocupasse, pois a minha imunidade não era algo previsível e os médicos já estavam acostumados. Os leucócitos estavam acusando 5.200 p/mm³ e os segmentados, 2.548 p/mm³.

Fomos para casa em paz e certos de que Deus estava mostrando, mais uma vez, que estava no controle da minha vida e que tudo daria certo. Vale salientar que se minha imunidade estivesse baixa, uma inflamação seria causa para internação e mais medicamentos para o corpo que já estava farto de tantos.  

No outro dia a quimioterapia foi bastante tumultuada, não porque tivesse problema, mas porque muitos estavam lá para comemorar aquele dia. O dia do fim! Agora sim, não havia mais nenhuma chance de fazer mais aplicações. Eu estava eufórica, radiante e outros sentimentos mais. Na verdade todos nós estávamos assim. Uma semana antes eu tinha pensado em ir fazer a última quimioterapia com uma peruca cor-de-rosa. Escolhi essa cor por que era assim que eu estava olhando o mundo, naquele momento. Mas, ao pensar melhor, não comprei porque achei que poderia ‘impactar’, de forma negativa, os outros pacientes que iriam continuar fazendo aquele tratamento tão doloroso. Eu não sei bem ao certo, mas achei que não estaria sendo solidária à elas. Optei por colocar um belo sorriso em meu rosto e abençoar a vida dos enfermeiros, médicos e pacientes. Era o que eu sempre fazia. Saí abraçando a todos que pude conhecer nessa jornada. Foi um momento emocionante para todos.  

No mesmo dia ligamos para o Dr. Evyo e ele pediu que fôssemos para Natal e em alguns dias voltássemos para receber mais uma orientação que seria dada por ele.

4 comentários agosto 24, 2011

A RADIOTERAPIA

Em duas semanas eu estava novamente lá e, diferente da outra vez, eu estava preparada para o pior, até porque se viesse o melhor eu teria muito mais alegria. O meu sorriso estava contagiante, todos da clínica comentaram, eu também estava me sentindo muito  melhor. Ah! também tem o meu cabelo que não havia caído e nem a menstruação havia parado. Eu, na verdade, só tinha motivos para me alegrar e comemorar. E isso foi notório.

Dr Evyo quando me viu se alegrou muito porque, enfim, a parte mais dolorosa havia terminado. Mas agora viria a outra parte: a radioterapia. Conversamos sobre a possibilidade de fazer no Hospital Português, lá em Recife, mas eu pedi para fazer na Liga contra o câncer aqui em Natal porque eu queria voltar ao ritmo normal de minhas atividades. Claro que eu havia pesquisado sobre o Acelerador Linear que a Liga possui e era um equipamento de última geração que o Governo havia comprado e os técnicos e médicos vieram de São Paulo. A radioterapia era referência aqui no Nordeste e, então, não havia por que não fazer lá. Foi também levantada a possibilidade de se fazer em São Paulo, mas o meu caso não necessitava, pois ele já me considerava curada.

Fiquei de procurar o nome da médica que iria cuidar do meu caso em Natal e adquirir mais informações sobre o local e a máquina. Essa era a forma de Dr. Evyo autorizar. A minha mãe foi sozinha até a Liga e conversou com Dra. Carlota. Mainha, demasiadamente preocupada com a radioterapia, foi fazendo muitas perguntas à médica. Ela estava insegura até porque não conhecia nada sobre o assunto. Quando ela chegou em casa disse que a médica não tinha sido tão simpática e que era melhor fazermos em Recife. Como eu já sabia que ela estava ansiosa e insegura eu preferi ir com meu pai para conversarmos com Dra. Carlota pessoalmente. Logo quando a vi, simpatizei-me com aquela paulista sorridente e simpática que se levantou para me abraçar. Era a figura da Dra. Carlota. Ela era muito animada e deixava qualquer um animado. Fomos contagiados com a sua alegria. Ela foi muito atenciosa e prestativa conosco. Nos tirou dúvidas e estava otimista com o meu caso. Fiquei imaginando se tinha sido mesmo a Dra. Carlota, depois tive a certeza. Cheguei em casa dizendo a mainha que tinha sido uma impressão precipitada de sua parte. Acredito que tenha sido a preocupação exacerbada. E do jeito que conheço minha mãe, é capaz de ela ter falado, falado, falado e não deixado nem a médica se expressar direito.

Depois de ver que eu havia gostado dela e do local, o que era o mais importante, segundo Dr. Evyo, decidimos ir falar com ele. Eu poderia até voltar a freqüentar as aulas da faculdade, porque não havia um efeito colateral de imediato. Os transtornos podem vir a acontecer muitos anos depois, dependendo do local onde a radiação atingiu. Mas o futuro não cabe a mim e nem seria motivo de preocupação naquele momento.  

Fomos a Recife conversar com Dr. Evyo. Após muitos argumentos para eu poder terminar o tratamento em Natal, ele mandou uma carta aos cuidados da Dra. Carlota explicando tudo o que havia sido  feito e sugerindo o que poderia ainda ser feito para concluir o meu quadro. Sempre muito cuidadoso, ele também optou por ligar e falar diretamente com ela. Era uma forma de ter mais segurança.

Ele começou a escrever sua carta e alguns exames que eu deveria fazer. Eu sabia que ele gostaria de me ver por perto, mas eu estava tão bem que ele não se preocupou muito. Quando acabou a papelada eu me abracei com ele e agradeci por todo aquele carinho por mim. A minha mãe também agradeceu e honrou a vida dele como médico. Disse que ele nunca desistisse de realizar aquele trabalho que salvava tantas vidas. Algumas lágrimas começaram a aparecer em seus olhos até que ele disse que são pessoas vitoriosas como nós que o fazia prosseguir. Foi um momento muito emocionante, em que todos choraram.

Na saída da sala pude abraçar Tereza, a recepcionista, Érica, a psicóloga e as demais enfermeiras do local. O carinho delas incentiva a qualquer um. Disse que só queria vê-las somente quando eu viesse fazer os exames periódicos. Nunca mais naquela situação. Ouvi um ‘se Deus quiser’ de todas.  

Voltamos em seguida para Natal e, precisamente no dia 31 de janeiro, marquei a consulta para começar a radioterapia. Por protocolo, primeiro é feito um planejamento em que é limitada a área de radiação, depois calcula-se a dose diária a ser recebida e o período de administração. Todo esse calculo é feito pela equipe de técnicos e médicos, mas enquanto eles calculam, é preciso tirar o molde do local onde vai ser radiado e fazer uma tomografia.

No dia 3 de fevereiro eu fui chamada para fazer a máscara – que é o molde para começar o planejamento. Fiquei ansiosa porque Dra. Carlota veio me perguntar se eu tinha claustrofobia. Eu disse que não, mas fiquei apreensiva quanto ao que ia ser feito. Na minha opinião, foi um dos exames mais simples que fiz. Eles esquentaram um plástico todo furado e depois colocaram sobre meu rosto e puxaram até que o plástico secasse e endurecesse. Fiquei por volta de 10 minutos com aquele plástico moldando meu rosto, depois fui liberada para voltar no outro dia e fazer a tomografia.

Quando eu entrei na sala da tomografia já não consegui relaxar porque estava muito fria. A médica pediu para que eu deitasse na cama e tirasse a bata para descobrir meu busto. A enfermeira pegou um lençol e me cobriu até que eles chegassem. Enquanto Dra. Carlota estava preparando a posição correta chegaram um médico e um técnico, ambos jovens, e ficaram lá junto. Eu comecei a tremer porque estava muito envergonhada por estar com a parte de cima toda descoberta e estar diante daqueles homens. Eu não parava de tremer. Eu sei que para eles deve ser bastante normal, mas para mim não era mesmo. Todo esse constrangimento durou uns 30 minutos.

Passei em média uns 20 dias esperando que os cálculos fossem feitos. Enquanto está sendo feito o cálculo, eles fazem uma espécie de simulação. Através de raios X, eles tentam visualizar a área que será irradiada, daí define-se a posição que o paciente irá se submeter em todas as aplicações. Antes de realmente começar as radiações, foram feitas, umas quatro simulações comigo.

Essas simulações também foram constrangedoras porque, da mesma forma da tomografia, eu fiquei com o busto descoberto diante de uns três médicos. A forma que eu achei para ficar mais confortável foi fechar os olhos. Mais confortável entre aspas porque fechando os olhos eu não poderia ver tudo o que estavam fazendo e, como boa curiosa, queria participar com meus olhos. Mas pesei os dois lados e achei melhor fechá-los. Isso ocorreu em todas as simulações que foram, em média, umas quatro vezes.     

Só, então, no dia 26 de fevereiro é que comecei a radioterapia. Foi até uma surpresa para mim porque eu achava que era mais uma simulação, mas quando cheguei na sala é que soube que não. Fiquei assustada, mas a técnica disse que seria muito parecido com as simulações. A única diferença é que ninguém ficaria dentro da sala, por causa da radiação.

Eles me deitaram na cama e puseram o molde, que foi tirado no início, para me prender na cama, evitando que eu mexesse porque tudo já estava calculado. Depois marcaram-no com caneta vermelha. Quando tudo estava preparado, a técnica saiu da sala e apertou um botão que durou 20 segundos ligado. Depois ela entrou na sala, mudou a posição da máquina e ligou novamente o botão. Daí terminou. O primeiro dia não foi legal porque eu estava com medo, mas quando eu vi que não doía, nem ardia, relaxei.

Em uma dessas aplicações eu conheci uma senhora muito simpática chamada Ivana. Ela estava fazendo tratamento de radioterapia nos seios. Me chamou atenção porque ela sempre estava só nas aplicações. Como deveria ser difícil enfrentar aquilo todos os dias sozinha. Mas ela sempre estava muito sorridente para todos. Diferente de muitos, ela não possuía um temperamento agressivo para com os outros. Era muito simples, distinta e educada.

O meu passa-tempo enquanto aguardava ser chamada era ficar observando as pessoas. Eu ficava imaginando o que ele, ela ou aquele estava fazendo ali. Que tipo de câncer? Como reagiram a tal diagnóstico? Quanto tempo já durara? Claro que nunca soube de quase ninguém, mas com Ivana foi diferente. Eu sorri para ela e ela, imediatamente, correspondeu com outro sorriso. Comecei a conversar com ela e trocamos muitas experiências. Descobri que seus filhos e maridos estavam trabalhando por isso não estavam ali. Descobri também uma mulher forte e de fé que sustenta a casa com a forma como encara a vida: Deus proverá!

Fiquei encantada com ela e ela comigo. Ela disse que foi muito edificada com a minha vida pois, naquela situação e com minha pouca idade, o normal era que eu não reagisse bem. Me achou madura, pode? Também disse que eu era muito amada, pois sempre estavam comigo os meus pais e noivo. Todos os três fizeram questão de estar presente até o último dia. Trocamos telefones e conversamos até hoje, quando possível. Pena que nos conhecemos na minha última semana ali.   

A radioterapia se resumiu em 32 aplicações, distribuídas em 16 sessões (dias úteis ). Em cada sessão havia duas aplicações. Isso acontece porque, cada vez que a técnica muda a posição da máquina, se refere a uma aplicação. As aplicações da radioterapia terminaram no dia 25 de março de 2004.   

Todos os dias eu tomava a radiação e voltava para meus afazeres normais. Diferente da quimioterapia, não havia nenhum efeito colateral imediato. O maior efeito que senti até hoje, e foi doloroso, é que minha pele ficou completamente queimada. O local do meu pescoço, uma parte do meu busto e a minha axila esquerda ficou parecendo queimadura de terceiro grau. Na verdade é queimadura de terceiro grau, porque a radiação é muito forte. Eu fiquei completamente queimada e me senti muito feia. As pessoas ficavam olhando a queimadura com cara de nojo. Quando elas eram curiosas, perguntavam o que era aquilo.

Tive que usar blusas que cobrissem a queimadura para evitar que as pessoas ficassem vendo. Aquilo, de fato, mexeu com minha aparência, minha vaidade e, conseqüentemente, com a minha auto-estima. Talvez se eu tivesse sido preparada… mas se alguém me falou sobre isso, eu não escutei, ou não dei tanta importância. Ficava horas olhando a queimadura no espelho. Eu não acreditava que iria voltar ao normal. Lembro que até chorei algumas vezes com aquela situação.

Muito incomodada com aquilo procurei a enfermeira da Liga que me passou um óleo de vitaminas A e E – é uma fórmula que elas indicam para todo paciente – que sararia mais rápido. Fiquei usando o óleo durante dois meses e, como a enfermeira já tinha dito, toda a minha pele voltou ao normal. Não há hoje nenhuma marca de queimadura. Nem vestígios.

2 comentários agosto 23, 2011

ENFIM A CURA

Iria durar, mais ou menos, uma semana até eu viajar a Recife e conversar com Dr. Evyo. Tentei ocupar minha cabeça com o fato de retornar a vida normal. Se é que seria ‘normal’ mesmo.

Eu sentia falta de estar socialmente entrosada. Falo aqui de profissão, estudos, saídas para ambientes cheios de pessoas, comer e não enjoar etc. Tudo o que para mim passava despercebido até a doença. Sonhava com isso.

Até que voltamos para a consulta com Dr. Evyo no dia 07 de abril. Passei a viagem, que dura umas quatro horas, pensando em como seria. O que mais ele indicaria fazer? Será que realmente havia acabado? Pensava se iria escutar da boca dele que eu estava curada, mas ao mesmo tempo achava-o cauteloso demais para tanto. Eu sei que muitas informações rodearam minha cabeça em fração de segundos. Então lá estava eu de novo. Feliz e ansiosa, cansada e esperançosa, confiante e, ao mesmo tempo, com medo e incertezas… uma junção de tantos sentimentos que passaria dias mencionando.  

Ficamos aguardando em torno de uma hora. Na recepção eu vi um rapaz alto, bonito e novo entrando para pegar exames. Ele estava sem cabelo nenhum em sua cabeça e um aspecto bastante debilitado. Me chamou atenção porque ele, mesmo com o ‘aspecto de doente’, ainda era muito bonito. Segundo Érica, a psicóloga, ele já estava há um ano fazendo um tratamento de câncer no estômago e no outro dia seria sua última aplicação. Ela também disse que ele ficava uns dois dias internados tomando a quimioterapia. Eu não consegui parar de olhar para ele que, mesmo diante de uma situação tão delicada, estava otimista e feliz. Soube também que tinha acabado de casar e tinha uma filhinha de colo ainda. Nossa! Que situação. Fiquei tão perplexa diante de seu caso que esqueci, por um instante, o que iria fazer ali. Achei que poderia ajudá-lo de alguma forma, mas a verdade é que sua perseverança foi que me ensinou. 

Após minutos meditando no que eu havia escutado, Dr. Evyo pediu que eu entrasse na sua sala. Beijou minha testa, como de praxe, sorriu, me examinou, examinou tudo o que foi feito na radioterapia e falou:

¾ Débora querida, terminamos! Você está curada!!! Falou ele com muita alegria em sua face.

Eu me abracei com minha mãe e choramos, choramos muito. Eu, de fato, não esperava um desfecho tão forte, tão preciso, tão objetivo. Meu Deus! Passou tantas lembranças em minha mente naquela hora: a primeira consulta, as informações, os choros, as conquistas, os exames, os sorrisos, as dores… Parecia um filme, ou melhor, um livro-reportagem passando em minha mente. Fiquei, novamente, anestesiada! Não acreditava naquilo. Esperei tanto tempo por isso que acho que não me preparei para tal. Queria ligar para todos, ao mesmo tempo, queria gritar, chorar, cantar, me ajoelhar etc. Saí da sala flutuando e exibindo uma das maiores alegrias que tive na minha vida. Me senti vitoriosa. Venci! Venci o ‘tal do câncer’!

Ao voltar a terra, precisamente na sala de Dr. Evyo, ele me comunicou que as chances de eu morrer em um acidente de carro eram maiores do que a doença voltar. Isso porque, segundo as pesquisas, os casos de Linfoma de Hodgkin quase não aconteceram retorno. A percentagem é tão baixa que é insignificante. Claro que iria depender muito de mim, no que diz respeito à alimentação saudável, menos ansiedade, longe de correrias e stress, ou seja, mais amor pela minha vida. Muita coisa, muita mesmo iria mudar! 

Ele me mostrou também que a radioterapia tinha atingido um pouquinho a medula óssea. Isso significava que a minha imunidade daria um pouco de dor de cabeça. Isso me causaria sono e cansaço por um bom tempo. Mas não era algo preocupante.

Também fui intimada a voltar em três meses. Ele me mostrou que, por precaução médica, eu faria o que eles chamam de ‘exames preventivos’ de três em três meses, depois de seis em seis, até que passaria de ano em ano. É o controle que os médicos fazem para verificar se continua tudo bem. Isso seria o mínimo para mim. Faço questão de estar presente sempre que necessário. Tudo para não ter mais ‘surpresas cancerígenas’ invadindo meu corpo.

Comecei a pensar se minha vida iria voltar ao normal completamente. Eu estava certa de que faria o possível para que isso acontecesse. Trabalhar não seria possível tão cedo por causa do ritmo pesado que o mesmo exige e eu ainda estava me recuperando de tudo. Então comecei a fazer tudo com muita cautela. Saía com amigos para caminhar na praia a noite só para sentir o cheiro de maresia. Era tão bom deslizar os pés sobre aquela água fria, ouvir o barulho calmante do mar, pisar naquela areia fria, ver a beleza das estrelas e contemplar tudo isso com um gostinho de ‘tô curada’. Fazia isso quase que todas as noite. Mainha ficava louca porque achava que tudo demais é exagero, mas eu precisava sentir essa ‘liberdade’.

Também estava livre de ter que acordar bem cedo para fazer exames de sangue, quase que semanalmente. Sem falar da escravidão dos enjôos, aftas, queda de cabelo e outras reações desagradáveis. Tudo isso já fazia parte da minha rotina, mas agora era esporádico.   

São essas situações corriqueiras que passam despercebidos em nossas vidas que adquirem valor. É o comer à mesa junto a família; é poder exercitar o amor com eles; poder abraçar as pessoas na rua sem medo de pegar qualquer doença contagiosa por causa da baixa imunidade; é ir a faculdade e valorizar os colegas que ali estão e que, por um momento, você poderia não vê-los mais; é valorizar a comida que está à mesa, nos quais muitos não as tem todo dia; é saber apreciar o brilho do sol, a beleza das estrelas e a delicadeza da lua; é escutar o barulho dos carros, telefone, pessoas falando, pássaros cantando; é poder ver a cor da natureza que, com sua diversidade de cores e formatos, deixa o nosso mundo mais belo; enfim, é viver!

Nunca vivi apreciando tais coisas. Não era tão avessa, mas desligada. Talvez a tomada dos meus olhos estava com mau-contato. Quando me deparei com o fato de que poderia não ter isso mais na minha vida e que, por alguns meses de isolamento, de fato não tive, foi que fui ligada. Agora não era apenas cotidiano, tudo isso era algo a mais para acrescentar o meu dia. A minha nova chance me daria muitas oportunidades.

Agora a verdade é que eu estou curada para poder curtir tudo isso novamente. Igualzinho a como era antes, só que mais vivida, mais madura e mais de bem com a vida. A minha vida voltou ao normal, mas nunca como antes, porque não passamos por isso e saímos da mesma forma que entramos. Tudo muda! As pessoas mudam e ganham mais valor, a vida tem um gostinho mais especial, a família fica ainda mais preciosa e Deus… Ele nos surpreende. Agora sou mais uma vencedora dessa equipe. Espero ainda ouvir muito mais histórias que me contem que há vida no câncer.

Add a comment agosto 22, 2011

Arquivos